2. Quando a vida te der limonada, adicione vodka

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Em algum momento vocês já se sentiram como se estivessem se distanciando da realidade? É algo como um momento de desconexão, uma desorientação no tempo e espaço que te arranca de sua própria experienciação e te lança para um vazio. Mas não me entenda mal, não é como se fosse algo completamente ruim ou deplorável, é apenas uma alteração da percepção do mundo, tão repentina, que causa um choque furioso em nossa existência. Naquele instante, eu me senti exatamente assim.

Encarar aqueles olhos castanhos me fazia experimentar algum tipo de dissociação física, que transcendia todos os meus valores e experiências, como se eu me tornasse apenas um estado de espírito. Eu podia sentir o sentimento de ansiedade se concentrando em meu estômago, e um turbilhão se formando em meu ventre. Chegava a ser loucura estar tão entregue, ainda que por um momento ínfimo, a um completo estranho.

Como eu poderia classificar o que estava acontecendo? Talvez um estado catártico totalmente inadequado e incompreensível que jogava com tudo dentro de mim, e que me lançava em direção àqueles olhos castanhos. E se não fosse pela mão notoriamente grande se agitando diante de meus olhos, eu teria permanecido naquela epifania medonha no meio da boate por muito mais tempo do que eu poderia dizer, ou sequer imaginar.

- Ei, você está me ouvindo? – Pisquei atordoado ao ser trazido de volta à realidade. A voz que soou em meus ouvidos tinha uma profundidade tamanha que eu poderia ter me curvado como um verdadeiro devoto dos céus ao escutar o estrondo de um trovão.

- Ahn... Sim, sim... Me desculpe, eu vou pagar por isso. – Estendi minha mão em direção à mancha que malmente aparecia na camisa preta, meus dedos se agitando sobre umidade em uma tentativa fracassada de enxugar a bebida entornada, que me arrancou um suspiro arrastado. Às vezes eu posso ser um lerdo de primeira.

Senti os dedos longos envolverem minha mão em um aperto suave me fazendo erguer o olhar e encarar mais uma vez aquele rosto bonito, que no entanto não tinha apenas um olhar intimidador, mas também carregava um sorriso faceiro que eu não diria ser gentil. Pelo contrário, aquela expressão podia carregar inúmeras incógnitas e respostas, mas nenhuma satisfação ou gentileza. Puta merda, acho que me fodi.

Seu cabelo preto caía por sobre seus olhos grandes e penetrantes, escondendo porcamente as sobrancelhas grossas e bem desenhadas. Sua mandíbula tão bem desenhada e angulada, com um queixo largo. Era como olhar para uma escultura esculpida com precisão e dedicação, um rosto inefável.

- Vai com calma ai pimentinha, quem disse que você pode sair passando a mão assim nas pessoas?

Ok, até onde atestei eu ainda não estava com problema de audição, muito menos o som alto da música tocando estava interferindo em meu discernimento auditivo. Esse cara me chamou mesmo de pimentinha? Mas que porra? Eu podia sentir meu rosto queimando com a irritação que me atingiu, podia jurar que meu cenho estava tão franzido que minhas sobrancelhas se tornaram uma só. Quem ele pensa que é? E que porra de apelido é esse?

Certamente, qualquer um que ousasse olhar para mim vestido com aquela carranca levaria um ataque direto do bico que havia se formado em meus lábios. E eu posso jurar de pés juntos que eu não sei de onde me surgiu tanto autocontrole para me impedir de socar a cara bonita desse infeliz e quebrar todos os dentes que ele ousava mostrar nesse sorriso largo e quadrado. Ele estava gostando disso? Eu sou trouxa?

- Parece que você não gostou muito do apelido não é mesmo? – Eu podia ver um brilho de divertimento em seus lumes, como se uma piada muito engraçada tivesse sido contada. Que belo filho da puta.

- Que saber? Enfia esse copo no cu. – Puxei minha mão com força e girei nos calcanhares, pronto para ir para o mais longe desse diabo, porque alguém tão bonito e escroto assim só pode ser uma cria infernal.

Isto Não É Sobre Nós - KTH + PJMOnde histórias criam vida. Descubra agora