[sem fôlego;]

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𓆸

Era doce no começo. Taehyung até mesmo fez uma careta engraçada quando experimentou pela primeira vez. Também tinha cheiro de cereja e limão fresco, mas depois se tornou completamente amargo e insuportável de se engolir. Ele, então, chorou com a cabeça caída no volante do carro, chovia, e a dor de seu coração partido acompanhava a melodia tocada no rádio do carro. Um trovão acendeu no céu noturno e nublado. Não existia estrelas ou lua. Nenhum telespectador além da voz de Paul McCartney em Yesterday. Taehyung parou um instante de soluçar e olhou para as letras roxas piscando no visor eletrônico, não se lembrando de ter ligado som algum.

Pouco tempo depois, sobre o banco de couro caro, seu celular começou a vibrar de maneira engraçada, pulando do assento, acendendo e piscando várias cores diferentes. As gotas de chuva ainda batiam no vidro da janela, suaves e com uma determinação quase equiparada a de Taehyung em não atender ninguém pelas próximas sete vidas futuras. Não que quisesse de fato viver por mais sete vezes. Na verdade, se pudesse escolher nem mesmo viver a de agora, Taehyung aceitaria sem hesitação.

As chamadas se acumularam lentamente, uma atrás da outra. O rosto inchado de Taehyung começou a arder e uma vontade monstruosa de sorvete acendeu seu paladar anestesiado.

Ligando o carro novamente, Taehyung parou em um drive-thru. Ele abriu toda a janela, sem se preocupar se estaria se molhando no processo. A atendente o encarou torto, com medo de sua expressão exausta e mórbida. Taehyung sequer teve coragem de continuar olhando para ela ou para qualquer lugar senão suas pernas cobertas de moletom, chuva e lágrimas.

O sorvete chegou com gosto de morango e raspas de chocolate. Mas diferente do que Taehyung esperava, isso não amorteceu o furacão explosivo que se formava aos poucos em seu peito.

Perto das 5h da manhã, em frente a um rio na cidade interiorana de Tohoku, no Japão, Taehyung acendeu um cigarro. O ar condicionado junto com a fumaça espessa, fizeram com que o ardido das lágrimas fosse embora e desse lugar para uma sensação única. Ele não sabia exatamente como descrever, mas se pudesse, ou melhor, se fosse obrigado a falar sobre com alguém, começaria com a palavra oceano. Porque era exatamente assim que se sentia. Preso em uma daquelas paisagens mortas, dentro de um quadro de água parada, com zero ondas, mas muito frio e verde escuro. Não, o azul era intenso demais para o momento. O verde o lembrava de como a vida podia ser macia quando queria ser. Então, sim, de certa forma, Taehyung sabia que ainda existia esperança, afinal, ele era rico e tinha um pai que se preocupava com ele. Deveria bastar. E bastava. Congelado naquele momento, se imaginando boiando no mar salgado, Taehyung entendia que bastava. Mas mesmo assim, aquela dor, acesa feito chama de isqueiro, era prazerosa. O fazia sentir- se cheio e inspirado. E talvez tenha sido isso que o fez se mover, que o fez sugar a nicotina para dentro, duro, e dirigir de volta para casa.

Para seu violino, meia dúzia de papéis e caneta de seda.

Für Elise | vkook.Onde histórias criam vida. Descubra agora