Cada dia que passa uma dor a preenche, ela não sabe muito bem da onde vem. É por causa do trabalho misturado com medo das relações sociais? Ou isso é só uma máscara, escondendo a verdade que a mulher não quer aceitar?
Ela olha o seu reflexo e sente vontade de ser a rainha má, falando com seu espelho, mas, em vez de um homem, aquela mulher deseja falar consigo própria, já que um dos maiores prazeres da vida é a solidão. Essa pobre alma perdida deseja ver tudo que há além da pele, cabelo, marcas e entranhas.
Marcas? Ela já observou suas marcas o suficiente, já se aprofundou e se afogou nelas? Será que as respostas estão nesse lugar? Será que essa é a origem de toda a sua dor? A mulher olha, olha e olha, mas só vê o seu maldito e repugnante reflexo.
– ME RESPONDA!!!– ela grita para o espelho em profundo desespero – Fala comigo! Do que estou tão combalida? Que dor é essa que dia após dia me preenche, consome e controla, mesmo que eu tente esquecer, mesmo que eu tente ignorar? Que fadiga é essa que domina meu corpo e mente? – Suas lágrimas molham o chão enquanto ela enverga o seu corpo para frente, então subitamente levanta a cabeça com um brilho no olhar, parecendo até com esperança, e diz: – É o trabalho? É isso? É porque me esforço demais? São os estudos? São os meus amigos, conhecidos e familiares que me cansam assim? – Aproximando-se ainda mais do espelho soando ainda mais desesperada e encostando a testa na película de vidro, ela sussurra: – Por favor... eu imploro, só me responda! – Com todo esse desespero contido dentro de si e expresso em cada lágrima que rola do seu lindo rosto, ela cai de joelhos no chão e imita a posição de uma mulher devotada a Deus, rezando a esse Ser tão perfeito, mesmo que mal acreditasse em sua existência. – Por tudo que possa existir de sagrado, me responda.
Então fez-se silêncio. A mulher, de joelhos, fazia com que os únicos sons no quarto fossem seus soluços e grunhidos. Com uma voz puramente de desdém, alguém lhe responde:
– Por que você não admite? – Nesse momento ela abre os olhos que antes estavam cerrados, levanta a cabeça, mas permanece de joelhos, e com as mãos em sinal de prece. Quando faz isso, vê seu próprio reflexo falando, mas a voz e os gestos não eram seus. A mulher sente-se mais calma, parece que finalmente teria a sua esperança de volta.
– Apenas admita que você está cansada, não é do seu trabalho, das suas marcas, muito menos dos seus amigos, familiares ou conhecidos, mas sim de tudo junto, você está cansada do mundo.
A calmaria que antes a tinha dominado se desfez, e seus olhos começaram a expressar um profundo pânico, lembrando o semblante de uma louca que perdeu há muito tempo a si mesma.
Então ela grita, como o rugido de um animal:
– NÃO! – diminuindo o tom de voz ela continua – não pode ser isso! Se for, eu estarei perdida, eu estarei sem forças e esperança. Não pode ser...
Então, o pânico em seus olhos se esvai, junto com a turbidez da loucura, e o que a preenche é o medo.
O escárnio toma ainda mais espaço nos olhos de seu reflexo, ele agora está de braços cruzados e diz:
– Mas é exatamente isso, pode negar, se escabelar, soluçar e pedir aos céus, ao Deus, que você nem mesmo acredita ou respeita, que isso não seja verdade, mas é a mais pura, fria, lúgubre e dolorosa verdade. Você está cansada do mundo, aos poucos está perdendo a esperança, a cada final de livro, a cada notícia, a cada fala de alguém, a cada ano e a cada segundo. É até engraçado vê-la tentar achar desesperadamente um lugar para se segurar, para acreditar, mas falhando, e então apertando os olhos para enxergar o que há por trás disso tudo, tentando ver se toda essa luta vale a pena. Sua visão dói, mas não vê nada, você só enxerga o presente e um passado que você não vive ou viveu, não existe mais esperança para ninguém, a salvação é uma ilusão, os seus iguais só irão sofrer cada vez mais, estou errada? Não é exatamente isso que acontece?
A mulher não responde, apenas olha o reflexo com olhos turvos, então ele continua:
– Criança... eu te conheço e observo há muito tempo para saber exatamente o que dá origem a todo esse desespero. Sei que um medo a preenche aos poucos O que irão fazer com comigo? O que irão fazer com as pessoas iguais a mim?, você se pergunta isso sem mesmo perceber. Agora está aí chorando desesperadamente, mas sabe que suas preces não irão para nenhum lugar e seus soluços irão ser abafados e silenciados dolorosamente. A dor que cresce e te domina é fruto do mundo que você vive.
Agora a mulher está mais calma, aos poucos ela aceita a verdade que o seu reflexo diz com tanta violência e antipatia. Então, secando as suas lágrimas, levantando-se do chão frio, deixando as mãos do lado do corpo e levantando a cabeça com um olhar desafiador, mas sem brilho, ela pergunta:
– Mas então o que eu faço? Ainda tem alguma coisa que eu possa fazer?
O reflexo a olha agora com um olhar um pouco orgulhoso, mas ainda sim uma parte dele diz: é uma completa tola. Ele lhe responde com uma frase simples e clichê:
– Você sabe a resposta.
E assim o seu verdadeiro eu volta para o espelho, sem olhos julgadores ou frases cortantes, apenas uma mulher descabelada, com os olhos inchados pelo choro, mas decidida no que irá fazer.
Um mês depois o corpo de uma mulher é encontrado na margem de um rio. Ela não tinha identificação e estava nua, sendo que o corpo já estava em estado de decomposição avançada. E em seu atestado de óbito estava constado que a causa da morte fora suicídio. Aquela mulher escolheu a morte, mas como ela foi efetuada ainda é um mistério, não havia nenhum sinal de cortes, tiro, não havia como ela ter morrido afogada, muito menos queimada, no seu corpo não foi encontrado uma única substancia tóxica, nem mesmo álcool. Alguns questionaram essa decisão da perícia, dizendo que a pobre menina com toda certeza foi morta por alguém, ela era muito jovem, linda e saudável, vivia uma vida feliz, não tinha como escolher a morte, eles diziam isso sem nem mesmo conhece-la. Mas a perícia estava certa, a garota escolhera morrer, ela foi julgada e mal compreendida quando viva, levando-a a acreditar que é melhor virar comida de larvas do que fazer parte de um mundo como esse.
Já que você sabe, né? Não há nada do outro lado e seus únicos companheiros serão aqueles para os quais você servirá de banquete.
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Memórias de um Quarto Sombrio
Historia CortaO mundo nunca foi e nunca será perfeito, e aparentemente a tendência é piorar. A cada dia parecemos estar mais perdidos, não sabemos o que fazer, para onde olhar, sempre nos perguntando o que virá depois, cheios de sentimentos e sensações, e elas n...