Parte l

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Há algum tempo não chovia realmente. Garoava às vezes, claro, mas nada que pedisse o uso de guarda-chuvas. Apesar da falta de água - o que era atípico para aquela época do ano - a cidade encontrava-se mergulhada em neblina densa e esbranquiçada.

Da janela do meu quarto, era possível observar o nevoeiro que cobria a parte baixa da rua, formando-se ao redor das casas e dos carros estacionados próximo ao meio fio, escondendo também as pontas arredondadas das montanhas que cercavam West.

Algo queimava meu estômago; uma mistura de ansiedade, nervosismo e... esperança. Definitivamente, esperança. Esperança de dias melhores, de liberdade, de sorrisos maiores e felicidade genuína. Eu tinha esperança de mudanças, era isto que meu espírito tanto ansiava, e por esse exato motivo, mantinha-me acordado até tal hora da madrugada, observando a vizinhança silenciosa e torcendo para que os minutos passassem logo para que eu pudesse, em breve, ir embora daquele lugar tão vazio.

Sakura me aguardava em seu quarto. A essa altura, suas malas já deveriam estar prontas - as minhas já haviam sido guardadas na noite anterior. Nada no mundo nos impediria e eu mal podia esperar o momento em que diria adeus para todas as almas hipócritas que viviam em West, me mandando com a minha prima no banco do carona da picape que ganhei quando fiz dezoito anos.

Tentei buscar qualquer hesitação em meu interior, qualquer faísca de medo ou desistência ou pontada de arrependimento. Tentei, mas tudo que me veio à mente ao pensar em deixar toda aquela cidade podre para trás, foi alívio. Alívio, como se esta fosse minha única saída, a única oportunidade que me restava para ser eu mesmo e viver. Eu queria viver; queria viver intensamente e respirar e viajar e gargalhar. Queria beber, acordar de ressaca, dançar enquanto cheirava o pescoço de Sakura e transar com ela no banheiro de alguma festa sem que falassem de nós dois.

Do nosso pecado.

Queria viver nosso paraíso, nosso céu particular sem que nos arruinassem com suas más línguas.

Eu queria... queria poder fazer minhas próprias escolhas e não ser analisado ou condenado por elas. Sentia-me à beira da liberdade, prestes a fugir de um cativeiro longo que quase sugou a força de viver que eu ainda protegia dentro do meu corpo exausto.

Nunca pensei que fosse sonhar tão alto, que fosse ser tão corajoso. Mas eu fui. Estou sendo.

Ouvi o trinco da porta poucos metros atrás de mim dar um estalo abafado. Antes de me virar, já estava sorrindo. Por cima do ombro, olhei para a direção de onde viera o som. Deparei-me com olhos brilhantes encarando-me em pura expectativa, como se dissesse com todas as letras:

Ei, estou pronta para você.

Se ela falasse, eu provavelmente responderia com alívio que eu também estava pronto para ela. Totalmente. E que agora, seríamos só nós dois e o desejo ardente que borbulhava dentro de nossos corpos.


Desde que lembro-me do modo correto de como pronunciar meu nome, West era exatamente como ainda é hoje:

Fria, indiferente, úmida e odiosa.

Era de se esperar que uma pequena cidade como aquela fosse tediosa e monótona, mas sua hipocrisia tornava-se densa e tão palpável que o convívio entre os moradores só acontecia por meio de um interesse maior. Tão suja... West era desinteressante ao ponto da loucura, beirando o insuportável.

Ao menos, para mim.

Não sabia se realmente havia qualquer outra pessoa naquele miúdo espaço de terra que pensasse como eu e se enjoasse com todas as mentiras varridas para debaixo do tapete.

West era considerada como cidade histórica, marcada pelo passado em suas construções e costumes, paralisada no tempo por culpa dos habitantes devotos, católicos fervorosos - ao menos, aparentemente.

West (Sasusaku)Onde histórias criam vida. Descubra agora