Stronger

Take Me To Church

"I was born sick, but I love it. Command me to be well"

Eu sei que preciso contar tudo para Kat. Mas uma parte minha diz que se eu nunca contar para ninguém, não aconteceu, tudo não passou de um pesadelo extremamente realista. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que se nunca contar para ninguém eu nunca irei superar. Então durante um segundo de coragem eu disse:

- Kat, acho que estou pronta para te contar o que aconteceu.

- Ei, fico feliz que você queira me contar, mas se você não estiver realmente pronta ou for ultrapassar seus limites não faça pelo seu bem. Eu sei que a sua cabecinha já está uma bagunça, não piore nada ok?

- Eu preciso te contar na real. Eu acho que só assim a ficha de tudo o que aconteceu vai cair.

Flashback

"— Mãe, Pai. Eu preciso contar uma coisa pra vocês.

— Claro filha, você pode nos contar tudo. Estamos aqui pra isso.

— Antes de começar, prometam que só vão falar quando eu terminar - os dois assentiram e então continuei - Eu não sei muito bem como contar isso, mas de uma vez pode ser melhor. Eu não quero que nada disso mude o jeito que vocês me olham. Eu sinceramente não posso mudar porque isso não é uma coisa que eu escolhi, não é uma opção como muita gente fala.Então vou dizer de uma vez, eu sou pan. Não sei se vocês sabem o significado então vou dá-lo. Uma pessoa pansexual não gosta da pessoa pelo gênero. Ela simplesmente gosta da pessoa, não importa se é homem, mulher, não binário. Basicamente eu sou "cega" em relação a isso. Eu tinha e tenho muito medo da reação de vocês porque eu cresci na igreja católica e eu ouço e ouvia tudo o que vocês falavam sobre a comunidade LGBTQI+. Foram anos calada porque eu tinha medo de vocês juntarem um mais um e perceberem que eu também sou da comunidade. Nem que seja pelo jeito que eu defendia a comunidade quando vocês a criticavam ou das letras das músicas que eu ouço. Vocês são as pessoas que mais têm peso nas minhas ações. A reação de vocês nelas me definem todos os dias e eu odeio isso. Eu amo vocês mas eu odeio essa dependência que eu tenho com vocês. - A esta altura uma lágrima solitária desceu por uma de minhas bochechas - Por isso eu demorei para me assumir porque, porra, nem sei se vocês vão falar comigo depois disso. Eu lembro muito bem de uma noite, eu ainda nem estava tendo dúvidas sobre a minha sexualidade, devia ter uns 12 anos, você - Disse me virando para minha mãe - Me disse com essas palavras " Por favor, não seja sapatão." Naquela época eu só assenti e fiquei quieta, mas depois de alguns anos aquilo ainda ficou na minha cabeça me incomodando profundamente. Também lembro de uma vez que fui tomar café com a vovó numa padaria, ela me disse isso quando viu que havia um casal lésbico atrás de nós "Minha filha, pelo amor de Deus não vire sapatão, seja qualquer coisa menos sapatão." Acho que realizei o sonho de vocês não? - Disse sorrindo ironicamente e limpando uma das lágrimas que agora escorriam livremente pelo meu rosto - Não sou sapatão, mas gosto de mulheres, e sinceramente eu tenho uma preferência por mulheres. E durante todos esses anos, todo esse tempo, a única coisa que me passava pela cabeça e me deixava sã para continuar vivendo era que não importa se as pessoas dizem que eu vou pro inferno, Deus é amor. - Todas as coisas que eu guardava a sete chaves finalmente saíram livremente pelo espaço, me deixando cada vez mais leve, porém pesando a atmosfera do lugar - Isso está na Bíblia então nem dá pra discutir já que vocês gostam tanto dela. Se Deus é amor porque vocês condenam tanto essas pessoas que estão amando. Elas só estão fazendo o que Deus nos ensinou. Então qual é o problema? Não importa o sexo da pessoa, foda-se isso. Você está na relação? Então porque vocês gostam tanto de dar pitaco na vida dos outros. Eu pensei muito antes de fazer isso, eu não aguentava mais vocês falando mal de mim indiretamente. Agora podem falar.

Finalmente havia dito tudo, sem filtros, sem omissões. Tudo. Um segundo se tornaram dois que se tornaram três que se tornaram um minuto. Um minuto de completo silêncio. Todos digeriam as palavras que ainda ecoavam em nossas cabeças.