Prólogo

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Dois anos depois


ROGÉRIO XAVIER


Alguns dizem que para morrer, basta estar vivo. Eu estou vivo, porém, morto por dentro. Gostaria de estar morto por fora também. Gostaria de esquecer que agora eu tenho um motivo para viver. Eu não queria a porra de um motivo. Eu queria ela.

Eu acreditava que nada mais poderia me destruir quando perdi a Laura, mas eu me enganei. Ver a Thaís, a mulher que deu notas a todas as batidas do meu coração, naquela situação, por minha causa, me assolou. Voltar para casa sem ela foi, sem dúvidas, a coisa mais difícil que já fiz. Voltar para o nosso quarto do mesmo jeito que ela deixou. Há semanas que eu já não dormia aqui. Não podia. Não depois de tudo que fiz. Ainda tinha um brinco seu sobre o criado-mudo. Toco a peça, a lembrança de quando removi a jóia de sua orelha veio com força. Encarei a cama e inspirei fundo, tentando conter o maldito bolo que havia se formado na garganta.


— Eu já disse que você fica uma delícia de camisa social? — ela me encarou, passando a língua nos lábios, o olhar crepitando como fogo. Cheios de desejo. O mesmo desejo que eu sentia.

— Eu odeio essa merda. Me sufoca pra caralho. — resmungo, tirando os primeiros botões de suas casas.

— Não é pra menos, amor. Olha o seu tamanho. O tecido esticado, quase se partindo. — seu olhar desceu pelo meu peito e abdômen, conforme a camisa me deixava exposto. A voz sofrega, como se fosse um sacrifício apenas olhar.

— Caralho, amor, não me olha assim. — rosnei, meu pau pulsando e esticando o tecido da calça. Seus olhos desceram para a barraca que havia se formado ali.

Eu jurei ter ouvido a porra de um gemido baixo, como se só a minha visão fosse um caminho para o orgasmo. Me aproximei a passos pesados, nossa respiração entrecortada e os lábios se tocando.

— Você é a porra da minha perdição, diaba. — ataquei sua boca com fúria e grunhi de tesão. — Eu te amo...”

Me assusto quando ouço um soluço. Meu rosto molhado indica que foi eu mesmo que emiti o som. O seco rapidamente e entro no closet. Não dava para fugir das cenas, pois em cada canto, uma lembrança se reproduzia na minha mente. Era torturante. Mas eu precisava. Eu precisava sentir algo, nem que fosse a mais cruel dor. A maldita dor da perda. Tropeço em algo e me abaixo, apenas para encontrar o salto que ela amava. Porra, aquela mulher era uma bagunça. Já não impeço as lágrimas de caírem. Não adianta tentar. Me aproximo das peças de roupa e inalo seu cheiro. Maldito cheiro que permaneceu sem a dona. As peças todas em cores neutras me lembravam de sua pose de advogada implacável. E ela era. Implacável em todos os sentidos. Era.

Olho para cima e a caixa que vejo me trás um aperto forte no peito. A caixa que eu lutei tanto para esconder de mim mesmo. A pego e volto para a cama. Reluto em abri-la, mas meu coração que gosta de sofrer me desafia. Eu abro. Nossas fotos. Nossos momentos. Mais um soluço. Olho cada uma delas. Abaixo estão eles. Os convites. Nossos nomes, a data e o horário em que eu a tornaria minha. Minha mulher. Minha amante. Minha confidente. Minha esposa.

Minhas única opção.

O maior de todos os meus vícios.

O aperto em meu peito é sufocante. Já não sinto as lágrimas. Meu corpo adormecido em dor. Deito em seu travesseiro e busco seu cheiro, mas ele não está ali. Estou na maldita cama onde era para estar o seu corpo. As memórias vindo com força. Encaro o teto. Os mesmo que, por tantas vezes, fitamos ofegantes após uma noite de amor. Sim, amor. Nunca foi apenas sexo com ela. Desde a primeira noite, o primeiro toque, o primeiro beijo e até o primeiro olhar, eu soube que era ela. Ela seria minha perdição. Minha ruína. Mas eu não fugi, eu a quis. Quis cada maldito segundo.

Lembro de seus sorrisos. Cada um deles. A forma como enchiam meu peito de satisfação. E pensar com fui o motivo de tantos deles...  Lembro da primeira vez que a vi. Quem diria que aquela atração se tornaria algo tão intenso. Porque foi isso: intenso. Cada momento que passei com ela não teria palavra melhor para descrever. A mulher que ao mesmo tempo que tirava meu juízo, devolvia minha sanidade. É incrível como pode existir sentimentos tão contraditórios.

Foi uma obsessão tão grande que até eu me assustei com a intensidade do que sentia. Era como se eu precisasse dela para respirar. Como se precisasse senti-la em cada parte minha. Todos os meses que passei longe da minha diaba foi um teste de sobrevivência. Eu não vivia. Minha vida se tornou um completo piloto automático. Havia momentos que meu sorriso era verdadeiro, mas durava poucos segundos. O tempo mínimo em que eu conseguia ficar sem pensar nela.

Aquela mulher foi um tornado que chegou bagunçando tudo dentro de mim. Abalando todas as minhas estruturas. Uma perfeita tempestade que quebrou tudo dentro de mim; cada muro, cada barreira que construí em torno de mim para não ceder. Eu sempre soube que ela traria tempestade, só nunca imaginei que traria calmaria. Porque ela trouxe. A calmaria que veio e organizou tudo novamente, preenchendo o antigo com o novo. Ela deu luz e brilho a uma alma que eu achei que havia perdido. Eu não compreendia o intuito de tê-la na minha vida, até pouco tempo. No quarto ao lado está o único motivo por ainda me mantém aqui. Por ainda respirar. Por ainda lutar e me manter de pé.


Laura.


Me encaminho até o segundo quarto do andar e abro a porta com cuidado. Me aproximo e apoio os antebraços no pequeno berço, olhando seu rosto sereno. Absorvo cada traço seu: o nariz pequeno e delicado, a boca de lábios rosados e cheios. A bochecha redonda e corada me lembrava Thaís. Ela ficava perfeita quando corava. Uma lágrima intrometida escorre dos meus olhos e caem na pequena testa da minha filha. Minha filha. Ainda era surreal. Thaís me deu o presente mais belo e mais valioso que poderia ter. Ela me deixou aqui, sozinho, para cuidar do fruto do nosso amor. E, porra, eu cuidaria. Cuidaria com tudo de mim.

— Papai vai cuidar de você, princesa — sussurro e acaricio-a levemente com a ponta dos dedos. Uma nova lágrima escorre e luto para não desabar de vez. — Sua mãe terá orgulho de nós, filha. Seja onde ela estiver, ela terá.

Planto um beijo leve em sua testa e me afasto. Agora, sabendo o intuito daquela diaba na minha vida, me pergunto o porquê de ela não ter permanecido.

“Por que, Thaís? Por que me deixou, diaba?”

Essa mulher foi um droga em meu sistema, me consumindo aos poucos. Tomando tudo de mim. Todos os meus sentidos. Mas ela me deixou um remédio. Remédio esse que cura apenas uma parte da minha dor.

Você, Thaís, sempre será o Meu Vício.

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