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Num hospital, palavras como possibilidade e estimativa são interpretadas como semelhantes. Analisando precisamente a semelhança é quase inexistente.

Possibilidade há um ar de esperança, de chance. Há brilho nos olhos pela ambição de querer esperar para ver seja lá o que tiver de acontecer.

Estimativa é um cálculo, são números. Só é dita pelo direito de sabermos que o tanto que lutamos foi em vão, o tanto que vivemos. Pode trazer esperança, fincada pela negação de que nada mais poderá ser feito. É uma esperança vazia.

Com tão pouca idade, eu pensei nessas duas palavras, com meus olhos se negando a serem abertos, a despeito de meus outros sentidos que agiam de acordo ao que podiam.

Eu sabia que estava em um quarto de hospital. Sabia, porque meu braço havia tocado, minimamente, o tubo com uma agulha entrando pelo meu peitoral. Sabia também porque, como eu disse, meus outros sentidos funcionavam de acordo, e eu podia ouvir a voz da minha avó entre alguma conversa dentro do quarto. Além do incessante barulho do monitor dos meus sinais vitais.

- Existe alguma possibilidade do estado do Nick se agravar? - Foi a pergunta que ouvi vinda da minha avó. Em seu tom evidenciava o medo de ouvir uma resposta positiva.

- Beatriz - A voz categórica, provável de um homem se fez ouvir. - No caso do seu neto, já estamos revertendo o colapso pulmonar. Por incrível que pareça, ele está fora de perigo.

Eu não estava a par de uma palavra sequer que o homem falava, mas tentava substituir por palavras mais fáceis em minha cabeça e elaborar um entendimento melhor.

Minha avó o agradeceu, beirando algum alívio.

Pelos lapsos, aos poucos, eu ia me recordando do motivo de eu estar numa cama hospitalar. Como se não bastasse as dores apontando os danos do acidente por todo meu corpo.

Por ora, a dor física era insignificante perto do que eu sentia por dentro. Eu não entendia bem sobre dor emocional, mas naquela situação eu sabia distinguir a que mais pesava.

A angústia causada pela falta de notícia dos meus pais me provocava necessidade de chorar. Meu coração se apertando a cada segundo, agonizante, parecendo alertar que a qualquer hora sairia pela boca.

Eu me negava a esperar o pior. Eu precisava de possibilidades.

A agitação revelava meu medo que impregnava aquele ambiente, impedindo-me de sentir outra coisa. Eu constava que a qualquer hora meu cérebro iria transmitir a permissão para eu poder sentir, poder desabar. Não imediatamente, mas sem tardar. 

Na minha luta consciente de abrir os olhos, eu relembrava das frases ditas por minha avó e foquei apenas em uma:

Para conseguirmos o arco-íris, teremos de aguentar a chuva.

Eu gostava de suas motivações, realmente tinha fundamento. Mas, diante do que me acontecia aos sete anos de idade, foi quase impossível acreditar em seu arco-íris metafórico.

Por anos, ouvi meus pais me citarem a mesma frase conduzida de gerações passadas, fazendo-me crer que eu possuía a mesma obstinação que eles para realizar sonhos. Eles estavam quase lá.

E eu era apenas uma criança que confundia sonhos com planos.

Eu exercia planos, mas nunca tive um sonho. Eu fui uma criança sem a infância aproveitada de uma certa maneira, porque sempre era austero. Talvez eu devesse ter um sonho, mas ainda não via como uma importância.

Para mim, o importante era me acabar em estudos que me fizesse um bem sucedido em psicologia, fundaria meu próprio consultório e, caso necessário, não teria problemas com dinheiro se minha avó ou meus pais precisassem do melhor plano de saúde.

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⏰ Última atualização: Jan 26, 2021 ⏰

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