02 | PARA DE GRITARIA

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  Alyssa Diaz estava fazendo uma dieta rígida onde trocava todas as suas refeições por chás. Seu café da manhã naquele dia foi camomila e já tinha separado a erva-mate para o almoço. Estava nessa rotina há quase dois dias e seu estômago implorava por comida, não conseguia pensar em outra coisa a não ser em batatas fritas recheadas com cheddar e bacon. Sua mente a estava testando, conseguia até sentir o cheiro de uma macarronada bem feita. Balançou a cabeça como se fosse afastar da armadilha, fazendo um grande esforço para ignorar a pontada de dor em sua barriga. Da arquibancada, observava sua amiga marcar um gol no treino de futebol e aplaudia sem muita emoção.

  Sua visão do campo foi tampada pelo corpo de Natan Rodrigues, que parou em pé à sua frente, esperando por algo. O garoto já estava usando seu uniforme roxo escuro, perfeitamente passado, com o emblema de borboleta bordado no paletó. Alyssa deitou a cabeça para o lado, tentando afastá-lo e demonstrando que queria enxergar o jogo.

  — Seus pais quem recomendaram esse lugar para a minha mãe — Natan disse, se sentando um banco abaixo, com uma perna de cada lado. — De alguma forma, sempre acabamos no mesmo espaço. — Deu de ombros com um breve sorriso desacreditado.

  — Destino ou coincidência? — Ela zombou em tom amargo. Ficar sem comer ou pensar em comida a deixava no pior dos humores. — O que você fez desta vez? Invadiu a casa branca de novo e agora tentou matar o presidente Devora?

  — Nunca o encontrei por lá — respondeu se lembrando. Havia esgueirado pela residência presidencial com outros amigos em um desafio baseado em Uma Noite De Crime, uma das muitas vezes em que se livrou por causa de sua mãe. — Irônico os filhos dele estarem aqui. — Comentou, observando a herdeira mais nova em campo.

  — Ele é um dos fundadores, tem que ter uma boa propaganda.

  — Enfiou os filhos aqui só para ter referência?

  — Sempre fomos as referências de nossos pais.

  Alyssa desprendeu suas ondas loiras como se estivesse machucando a nuca. Os olhos azul e verde encaravam Natan, analisando o machucado na bochecha. Desde que entrou lá, não tinha muitas notícias sobre ele, mas claramente continuava se metendo em brigas. Se tornaram próximos por casualidade, devido a amizade dos responsáveis deles — Lizzi Rodrigues tinha uma grande coleção de roupas da marca dos pais de Alyssa —, estavam sempre juntos desde pequenos em desfiles e eventos renomados.

  Havia milhares de fanpages sobre Alyssa Diaz e Natan Rodrigues. Diziam que os dois tinham um caso, postavam fotos e videos de "provas" e demonstravam apoio, mas na realidade, passavam os dias no colégio interno dando risada de toda a situação e gostavam de manipular a mídia quando saiam juntos pela cidade.

  Alyssa não estava nem um pouco surpresa ao encontrá-lo no mesmo reformatório. Sabia que ele acabaria chegando em algum momento, esperou ansiosamente por isso. Durante meses, não havia um dia que não se lembrava do garoto. Sentia falta dele, apesar de nunca demonstrar. Os dois se entendiam de uma maneira única e compartilhavam os segredos de suas famílias.

  — Disseram que você estava em um retiro sobre moda, todos acham isso — Natan disse, revirando os olhos. — No começo até acreditei, você sempre se enfia em coisas aleatórias, mas parecia nunca acabar e provavelmente teria me convencido a ir junto.

  — Bem-vindo ao retiro. — Ela suspirou forte. Queria abraçá-lo, porém não faria, sabia que o mesmo não gostava.

  — O que você fez para te mandarem para cá? Colocou fogo na nova coleção do seu padrasto?

  — Eu devia ter pensado nisso. Seria um bom motivo.

  Alyssa acenou para alguém. Natan colocou parte de sua atenção para o jogo, vendo que um de seus colegas de quarto estava no gol. Ainda não sabia como defini-lo. Não gostou muito da recepção que teve, mas também não esperava por algo melhor. Após ser prensado na parede, tinha ido para seu quarto, passou o resto do dia lendo as regras e a madrugada pensando sobre. Era tudo muito além. Cada passo que dava era vigiado, cada comportamento fora do padrão deles era reclamado, até o oxigênio do lugar parecia diferente. Porém, não havia nada escrito sobre o quarto preto do qual foi alertado. Mateo Flores viu os observadores e soltou uma piscadela em meio aos gritos do treinador.

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