Prólogo: A cidade à beira do nada

515 15 1
                                    

North Hampton não existia em qualquer mapa, o que tornava a pequena comunidade insular localizada bem no extremo da costa do Atlântico, um labirinto para forasteiros. Ao que se sabe, eles andavam por aí ao acaso e só descobriram mais tarde que era impossível retornar. Assim, o lugar, com suas notáveis praias vazias de areia prateada, campos verdes ondulados e casas de fazenda imponentes, com suas estruturas especiais, tornava-se mais um tipo de sonho meio relembrado do que uma lembrança. Assim como Brigadoon, o lugar ficava encoberto por névoa e raramente ficava à vista. Perpetuamente úmida, mesmo durante seus verões brilhantes, seus habitantes eram um grupo de famílias muito unido e agregado que estava ali há gerações. Em North Hampton, diferentemente do resto de Long Island, ainda havia plantadores de batatas e pescadores de alto-mar que ganhavam o sustento com suas mãos. Brisas salgadas sopravam suavemente sobre as águas azuis onduladas, os bancos de areia eram repletos de mariscos e vieiras, e os instáveis restaurantes serviam as especialidades locais: pargos, baiacus e sopa creme de vôngoles feita com tomate, nunca com leite. A era moderna quase não tinha deixado sua marca nos agradáveis arredores; não havia feias instalações de shopping centers nem nenhuma indicação de empresas corporativas do século XX para estragar a paisagem pitoresca. Do outro lado da cidade ficava a ilha Gardiner, agora abandonada e largada às ruínas. Há muito mais tempo que alguém pudesse se lembrar, a mansão Fair Haven fora esvaziada e ficara desocupada, uma relíquia ao crepúsculo. Pertencera à mesma família há séculos, mas ninguém via nenhum Gardiner há décadas. Circulavam boatos de que o clã, que já fora ilustre, não conseguiu custear sua manutenção ou que a linhagem tinha murchado e morrido com seu último e definitivo herdeiro. Ainda assim, Fair Haven e suas terras permaneciam intocadas e nunca foram vendidas. Era a casa que o tempo tinha esquecido: o telhado em ponta com o beiral abaixo repleto de folhas, a pintura lascada e as colunas fendidas enquanto ela afundava lentamente em ruínas. O cais dos barcos da ilha apodrecia e estava penso. 

Águias-pescadoras faziam sua morada nas praias intocadas. Os bosques ao redor da casa cresciam espessos e densos. Então, certa noite no início do inverno, houve um ruído doentio, um barulho horrível como se o mundo tivesse sido rompido; o vento uivava, e o oceano se enraivecia. Bill e Maura Thatcher, casal que cuidava de uma propriedade vizinha, caminhavam com os cachorros ao longo da praia de North Hampton quando ouviram o terrível som do outro lado da água. — O que é isso? — Bill perguntou, tentando acalmar os cães. — Parece que o barulho veio de lá — Maura falou, apontando para a ilha Gardiner. Eles fixaram o olhar em Fair Haven, onde uma luz aparecera na janela mais ao norte da mansão. — Olhe só isso, Mo. — Bill se espantou. — Não sabia que a casa tinha sido alugada. — Proprietários novos, talvez? — retrucou Maura. Fair Haven parecia a mesma de sempre: as janelas como olhos semiabertos, a entrada descuidada pendia como um velho que enrugava a testa. Maura levou os cachorros para perto da grama, mas Bill continuou fitando a casa, coçando a barba. Depois, rápido como um piscar de olhos, a luz se apagou, e a casa escureceu novamente. Mas agora havia alguém na neblina, e eles não estavam mais a sós. Os cães ladraram forte para a figura que se aproximava com passos firmes, e o velho caseiro percebeu que o coração disparava no peito enquanto a esposa parecia aterrorizada. Uma mulher surgiu em meio à névoa. Ela era alta e ameaçadora, usava uma bandana vermelho vivo no cabelo e uma capa de chuva bege bem presa na cintura. Os olhos eram cinzentos no crepúsculo. — Senhorita Joanna! — Bill falou. — Nós não a vimos lá. Maura concordou com a cabeça. — Desculpe por perturbá-la, senhora. — É melhor vocês saírem agora, os dois, não há nada para ver aqui — respondeu ela, a voz tão gelada quanto as águas profundas do Atlântico. Bill sentiu um arrepio subindo pela espinha, e Maura tremeu. Eles haviam concordado que havia algo de diferente nas vizinhas, algo fantasmagórico e difícil de apontar, mas até aquela noite eles nunca tinham sentido receio das Beauchamp. Agora estavam com medo. Bill assobiou para os cães, buscou a mão de Maura, e os dois caminharam rapidamente para a direção oposta. Do outro lado da praia, uma a uma, mais luzes se acenderam em sucessão até que Fair Haven ficou flamejante. Brilhava como um farol, um sinal no escuro. Bill virou-se para olhar para trás mais uma vez, mas Joanna Beauchamp já desaparecera, sem deixar rastros na areia ou nenhum sinal de que tivesse estado ali. 

As Feiticeiras de East EndOnde histórias criam vida. Descubra agora