Capítulo; Um Comichão (seis meses depois)

289 7 0
                                    

Freya Beauchamp girou o champanhe na taça para que as bolhas espocassem uma a uma nos lábios até não sobrar mais nenhuma. Este deveria ser o dia mais feliz de sua vida — ou, pelo menos, um dos mais felizes — mas tudo que ela sentia era agitação. Isso era um problema, pois sempre que Freya se sentia ansiosa, as coisas aconteciam: de repente, um garçom tropeçou no tapete Aubusson e lambuzou a frente do vestido de Constance Bigelow com as entradinhas; ou os incessantes e normalmente lúgubres latidos e uivos dos cães abafando o quarteto de violinos; ou o Bordeaux de cem anos desenterrado da adega da família Gardiner com gosto de vinho ordinário: ácido e barato. — O que foi que aconteceu? — a irmã mais velha, Ingrid, quis saber, segurando o cotovelo de Freya. Com a postura rígida da escola de modelos e roupas elegantes impecáveis, Ingrid não soltava a língua com facilidade, mas parecia mais nervosa que o habitual naquela noite, arrumando uma mecha de cabelo que tinha escapado do coque apertado. Tomou um gole da taça de vinho e fez uma careta. — Este vinho foi totalmente amaldiçoado por uma bruxa. — Não fui eu! Juro! — Freya protestou. Era verdade, mais ou menos verdade. Ela não conseguia evitar que sua magia vertesse acidentalmente, mas não fizera nada para incentivá-la. Ela sabia das consequências e nunca arriscaria algo tão importante. Freya podia sentir Ingrid tentando sondá-la entre as camadas interiores, para dar uma espiada em seu futuro e achar uma resposta para seu desânimo atual, mas era um exercício inútil. Freya sabia como manter a linha da vida protegida. A última coisa que precisava era de uma irmã mais velha que pudesse prever as consequências de suas ações impulsivas. — Tem certeza de que não quer conversar? — Ingrid perguntou com delicadeza. — Afinal, as coisas aconteceram tão rapidamente. Por um instante, Freya pensou em falar tudo, mas decidiu que não. Era difícil demais para explicar. Mesmo que os presságios negros estivessem no ar: os uivos dos cães, os “acidentes”, o aroma de flores queimadas que inexplicavelmente enchiam a sala — nada aconteceria. Ela amava Bran. De verdade. Não era mentira, não era nem um pouco como uma daquelas mentiras que ela se dizia o tempo todo: esta é a última bebida da noite ou eu não vou botar fogo na casa daquela vadia. O amor dela por 

Bran era algo que ela sentia no âmago do seu ser; havia algo nele que a fazia sentir como se estivesse em casa, era como se afundar numa poltrona e dormir: plenamente seguro. Não. Ela não podia contar a Ingrid o que a incomodava. Não desta vez. As duas eram próximas. Elas não eram apenas irmãs e ocasionais rivais, mas melhores amigas. Mesmo assim, Ingrid não entenderia. Ela ficaria horrorizada, e Freya não precisava das reprimendas da irmã mais velha bem agora. — Vá embora, Ingrid, você está assustando meus amigos novos — reclamou ela enquanto aceitava os cumprimentos falsos de mais um grupo de mulheres que veio lhe desejar boa sorte. As mulheres vieram para celebrar o noivado, mas estavam lá principalmente para dar uma espiada, julgar e soltar risinhos abafados. Todas as senhoras possíveis candidatas de North Hampton, que não há tanto tempo abrigaram sonhos não sutis em se tornar a própria senhora Gardiner. Todas vieram à enorme mansão reformada para prestar uma homenagem rancorosa à mulher que tinha conquistado o prêmio, a mulher que o arrebatara antes mesmo de o jogo ter começado, antes de algumas das adversárias sequer terem tido consciência de que o gatilho de partida fora puxado. Quando Bran Gardimer se mudou para a cidade? Não fazia muito tempo e, no entanto, quase todos em North Hampton sabiam quem ele era; o belo filantropo era objeto de boatos e fofocas em competições hípicas, reuniões de sociedades de preservação e regatas de fim de semana, que faziam o básico da vida de campo. Todos não paravam de falar sobre a história da família Gardiner, em como a família desapareceu há muitos anos, embora ninguém tivesse certeza absoluta de quando. Ninguém sabia para onde eles foram nem o que lhes aconteceu no intervalo, apenas que, agora que voltaram, a fortuna era mais impressionante que nunca. Freya não precisava ler as mentes para saber o que as peruas de North Hampton pensavam. Claro que no minuto em que Bran Gardiner chegou à cidade ele escolheria uma garçonete de bar adolescente para casar. Ele parecia diferente, mas era igualzinho à maioria deles. Homens. Pensam com suas pequenas cabecinhas, como sempre. Que será que ele vê nela, além do óbvio? Bartender, Freya gostaria de corrigi-las. Garçonete de bar era uma funcionária de peitos grandes, carregando canecas de cerveja para camponeses sentados em mesas de madeira cambaleantes. Ela trabalhava no North Inn, e a cerveja gourmet era servida apenas em taças altas, com toques de ameixa, baunilha e carvalho de tonéis espanhóis nos quais estava estocada, muito obrigada. Ela estava na plenitude dos dezenove anos (embora a carteira de habilitação, que lhe dava licença para servir bebidas, dissesse que ela tinha vinte e dois). Ela se apoderava de uma rara beleza arrebatadora e efervescente numa época em que manequins esquálidas eram o auge da beleza feminina. Freya não parecia estar morrendo de fome nem precisar de uma boa refeição; ao contrário, parecia ter tudo que quisesse no mundo e algo mais. Ela aparentava ser… por falta de vocabulário melhor, madura. A sensualidade emanava por cada poro, serpenteando em cada 

As Feiticeiras de East EndOnde histórias criam vida. Descubra agora