Admiremos ou não os cruzados, o mundo que conhecemos hoje não existiria sem o empenho deles. Não fossem estas guerras de defesa chamadas Cruzadas, a fé cristã que moldou o Ocidente teria sucumbido ao islã e seguido o caminho da extinção. São muito comuns os equívocos sobre as Cruzadas. Geralmente, elas são retratadas como uma série de guerras santas contra o islã, conduzidas por Papas ávidos de poder e travadas por fanáticos religiosos. Supõe-se que elas foram o epítome da presunção e da intolerância, uma mancha negra na história da Igreja Católica em particular e da civilização ocidental em geral. Uma espécie de protoimperialistas, os cruzados levaram a agressividade ocidental ao pacífico Oriente Médio e então deformaram a esclarecida cultura islâmica, deixando-a em ruínas. Não precisamos ir muito longe para encontrar variações desse tema.
Qual é então a verdade sobre as Cruzadas? Especialistas ainda estão tentando chegar a um acordo sobre isso, ao menos em parte. Porém, já é possível ter certeza sobre muitas coisas. Para começar, as Cruzadas em direção ao Oriente foram, sob todos os aspectos, guerras de defesa. Foram uma resposta direta às agressões de muçulmanos — uma tentativa de reversão ou de defesa contra as conquistas islâmicas nos territórios cristãos. Os cristãos do século XI não eram fanáticos paranoicos. Os muçulmanos realmente os perseguiam. Embora eles possam ser pacíficos, o islã nasceu e cresceu por meio da guerra. Desde a época de Maomé, a expansão islâmica sempre se deu por meio da espada. O pensamento islâmico divide o mundo em dois campos: o território do islã e o da guerra. Não há nenhum território para o cristianismo ou para qualquer outra religião. Num Estado muçulmano, cristãos e judeus podem ser tolerados sob a lei islâmica. Porém, no islã tradicional, Estados cristãos e judaicos devem ser destruídos e suas terras, conquistadas. Quando Maomé guerreou contra Meca no século VII, o cristianismo era a religião predominante em relação ao poder e à riqueza. Como era a fé do Império Romano, abarcava o Mediterrâneo inteiro, incluindo o Oriente Médio, onde havia nascido. Portanto, o mundo cristão foi o principal alvo dos primeiros califas e assim permaneceu, para os líderes muçulmanos, ao longo do milênio seguinte.
Os guerreiros islâmicos atacaram os cristãos com imenso vigor logo após a morte de Maomé. Foram muito bem-sucedidos. Palestina, Síria e Egito — outrora as regiões mais cristãs do planeta — sucumbiram rapidamente. No século VIII, exércitos muçulmanos conquistaram todo o norte da África e Espanha, regiões cristãs. No século XI, o Império Seljúcida conquistou a Ásia Menor (Turquia moderna), que era cristã desde a época de São Paulo. O antigo Império Romano, conhecido pelos historiadores modernos como Império Bizantino, ficou reduzido a pouco mais que a Grécia. Desesperado, o imperador em Constantinopla enviou uma mensagem aos cristãos da Europa Ocidental para pedir ajuda aos seus irmãos e irmãs do Oriente. Foi isso o que deu origem às Cruzadas. Elas não foram a criação de um Papa ambicioso nem de cavaleiros gananciosos, mas uma resposta a mais de quatro séculos de conquistas por meio das quais os muçulmanos já haviam tomado dois terços do antigo mundo cristão. A um dado momento, o cristianismo teve de se defender, como fé e cultura, para não ser absorvido pelo islã. As Cruzadas foram essa defesa. No Concílio de Clermont, em 1095, o Papa Urbano II pediu aos cavaleiros da cristandade para que repelissem as conquistas do islã. A resposta foi tremenda. Milhares de guerreiros fizeram o juramento da cruz e se prepararam para a guerra. Por que o fizeram? A resposta a essa pergunta foi muito incompreendida. Após o surgimento do Iluminismo, tornou-se usual afirmar que os cruzados eram simplesmente sem-terra e inúteis que se aproveitaram de uma oportunidade para roubar e pilhar num território distante. Obviamente, os sentimentos de piedade, abnegação e amor a Deus manifestados por eles não deveriam ser levados a sério, pois eram somente uma fachada para encobrir planos obscuros.
Durante as duas últimas décadas, estudos de documentos, assistidos por computador, demoliram tal narrativa. Especialistas descobriram que, em geral, os cavaleiros cruzados eram homens ricos que possuíam muitas terras na Europa. Não obstante, eles abriram mão de tudo voluntariamente para realizar a missão. Participar de uma Cruzada não era algo barato. Até senhores ricos podiam facilmente ficar pobres junto com suas famílias por participarem de uma Cruzada. Faziam-no não por almejarem riquezas materiais (algo que muitos deles já possuíam), mas porque tinham a esperança de ajuntar tesouros onde nem as traças nem a ferrugem os poderiam consumir. Eles tinham consciência do quanto eram pecadores, e estavam dispostos a suportar as privações da Cruzada como um ato penitencial de amor e caridade. A Europa está repleta de documentos medievais que confirmam esses sentimentos, documentos por meio dos quais aqueles homens falam conosco até hoje. Basta que os escutemos. É claro que eles não se opunham a capturar espólios quando isso era possível. Porém, a verdade é que as Cruzadas eram notoriamente ruins para a pilhagem. Poucas pessoas enriqueciam, mas a grande maioria retornava sem nada.
Urbano II deu aos cruzados dois objetivos, e ambos continuaram sendo essenciais para as Cruzadas orientais nos séculos seguintes. O primeiro era resgatar os cristãos do Oriente. Como disse o sucessor dele, Inocêncio III:
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Cavalaria Medieval, A história da cavalaria nas terras médias - Dante Scythe
De TodoA figura do cavaleiro foi sempre muito cultuada e admirada na história, no livro, contaremos sobre os primórdios da cavalaria desde os povos germânicos bárbaros aos romanos e cruzados.