Capítulo 1: Londrina (Sarah Giordano)

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Como de costume, ainda mais no mês de julho, fazia frio em Londrina.

Eu moro há poucos quilômetros da Universidade Estadual de Londrina (UEL), na qual curso Artes Visuais, poderia até usar o carro dos meus pais pra ir até a universidade, mas prefiro ir de bicicleta.

Apreciar as paisagens de Londrina, a beleza das ruas, a singularidade que cada pessoa que cruza o meu caminho possui, detalhes que dentro de um carro dirigindo eu não conseguiria observar.

Bom, se você é do estilo que gosta de estereótipos em pessoas, irei montar a lista do meu para facilitar o seu trabalho, aqui vai:

Descendente de italianos

Vegana (da que produz o próprio sabão e hidratante)

Viciada em skinny jeans preto e jaqueta de couro (por essa você não esperava hein... pelo vegana ali em cima o que tu queria ler era um estilo hippie good vibes only, eu sei...)

Fotografia como paixão

Obcecada por livros

Acho uma galeria de arte mais interessante que Netflix (me julguem)

Bicicleta é melhor que ônibus (mude minha opinião)


Pedalo entre os prédios do campus da UEL, até chegar no meu prédio, atrasada como sempre, sem tomar café da manhã (o qual está na mochila, como entre uma aula ou outra), quando entro na sala, com os cabelos bagunçados num coque que me recuso a intitular como "coque tumblr" e sim nócoque tão embolado quantos as crises existenciais que tenho durante toda semana, geral da turma me olha com reprovação, uns cochicham me encarando, as garotas estilo modelete saída do instagram riem da minha pessoa na cara dura, embolando o próprio cabelo loiro com os dedos, satirizando o meu penteado matinal, diria de sempre.

Mas, nada disso nunca me intimidou, ser a "esquisita" do colégio já me preparou para anos à frente ser solitária no ambiente universitário. E como o convencional coloca isso de forma negativa, para mim é uma normalidade.

Não sou convidada para festas da atlética, reuniões de comitê de formatura, sociais na casa de fulano, cervejadas, acampamentos, campeonatos universitários, nada disso faz parte do meu roteiro de vida estudantil, já cheguei a ficar pensativa sobre isso, chateada jamais, prefiro encarar isso como uma benção e não uma lamentação.

Afinal, não é meu forte muita maquiagem, pouca roupa, se fingir de tonta para parecer descolada na frente de macho top do sul, mas se você faz parte desse grupinho popular, relacionável e altamente previsível da majoritariedade universitária feminina, tudo bem, eu respeito você!

E entendo que tudo isso é para socializar e não acabar sendo uma Sarah Giordano da vida durante os seus anos dourados de faculdade, certo?

Sento na última cadeira da fileira da janela, pois lá tenho dois privilégios que amo: a invisibilidade de professores e a bela vista do campus que me inspira nas anotações de locais que quero ir para fotografar após a aula.

Abro um pote com uma panqueca de aveia com pasta de amendoim, e minha mini garrafa térmica com chá de cidreira para combater o friozinho do dia, enquanto o Professor continua em uma narrativa incansável de leitura de slides e comentários de experiências profissionais.

Desta forma, não é difícil de imaginar que eu só possuo um único caderno de anotações, 1 caneta, lápis e borracha. O que é suficiente para rascunhar desenhos que a minha mente cria, até as aulas acabarem.

Para a sua surpresa, não reprovo em provas, consigo apresentar seminários, trabalhos em grupos não resultam em amizades pra mim, assim que terminado o próprio grupo já faz a tarefa de me remover do whatsapp deles e assim o semestre segue.

"Poxa... que universitária mais sem graça! Se a faculdade é como Sarah Giordano vive, jamais quero ir para o ensino superior, que horror!" eu sei... eu sei... é horrível destruir suas altas expectativas de uma vida semi adulta, mas não se baseie por mim tá? Sua experiência ainda pode ser extraordinária, memorável, sem igual... como muitos dizem!

Experiências....está aí algo que todos de alguma forma procuram através de alguém, lugares, sensações, cores, temperos, aromas... eu a procuro em retratos.

E é exatamente isso que faço após às aulas monótonas que tenho todos os dias, a verdade é que a teoria nunca funcionou pra mim isso em todos os sentidos da vida, a prática é o que me aviva, brilha os meus olhos, me acolhe, me ouve, me ensina.

"Penteado maneiro esse o seu, guria...exótico né?" - diz um típico macho top do sul passando pela minha carteira.

"Realmente... antes exótico, do que padronizado igual vários por aí, né guri?" - guardo meu caderno na mochila, confirmo se minha câmera se encontrava lá ou se havia esquecido em casa, tomo meu rumo direto ao bicicletário do campus para sair de lá o mais rápido que eu puder.


Começo a pedalar livremente, rápido pelas ruas de Londrina a fim de chegar no Parque José de Azevedo, o que me leva 21 minutos de bike. Estava com meus headphones tocando Of Monsters and Men no último volume, o meu dia começou agora se eu for realista, me sinto viva ao passar por essas ruas, em minha mochila já carrego uma opção vegana e fria de almoço pois não voltarei tão cedo para casa, estou otimista em relação o que poderei fotografar lá hoje.

Perco a noção da velocidade que estou na bicicleta, me deixo levar pela sensação que ela me proporciona, até eu me chocar com alguém...

"Meu Deus...tá tentando me atravessar moça?" - uma bagunça loira resmunga pra mim e eu já me encontro no chão  surpreendentemente com uma parte da barriga ralada... me lembrem de não usar regatas finas quando for pedalar ok?

"É... me desculpa... eu, não queria te machucar, sério, eu tava distraída, não percebi bem para onde eu estava andando, a música tava me dando uma vibe legal, não consegui parar de ouvir e não me deixar levar, não tinha como freiar, o meu freio inclusive tem que ser consertado e...."

"Uou...você realmente é das que tem justificativa pra tudo né? Tanta informação que eu diria que você passou o dia todo sem falar." - é... e se eu dissesse que você está completamente certo, mesmo sendo um desconhecido.

Levanto o meu olhar, e agora consigo identificar melhor os detalhes da "bagunça loira" em minha frente, ele se encontrava com roupas gastas pelo trabalho certamente, pois também estava com respingos de cimento em seu rosto, braços.

"Bagunça loira" é uma ironia pois seus cabelos loiros são tão brilhantes e volumosos, no qual ele está passando suas mãos neste exato momento, me fazendo praticamente rezar em mente para ele não ser mais um macho top do sul como muitos por aqui o que seria uma vergonha pois o que eu vejo agora são vestes de um homem trabalhador...

"Tô achando que você ficou desorientada com a pancada que demos um no outro, moça... tu tá paralisada aqui me encarando uns 4 minuto já... devo chamar a emergência?"

"Não...não! Estou bem sim! ótima...obrigada" - pego minha mochila do chão, pego minha bicicleta e desta vez ao invés de pedalar, opto por caminhar com ela.

Olho para trás e o vejo caminhando pela multidão, muito além de um macacão de obra sujo se destacando nos demais, a beleza dele o ressalta, o evidencia no meio dos demais, rapidamente paro e tiro a minha câmera da mochila, coloco o apoio da bicicleta com os meus pés.

E ali mesmo, numa tarde cinzenta e gelada de Londrina, eu eternizei através das minhas lentes, a razão(da qual eu quase acidentei com uma bicicleta) do retrato que mudou a minha vida e graciosamente a vida dele também.

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