Chego ao parque, que até então era a única coisa em minha mente desde que saí do campus da UEL, agora a única coisa que tem a minha atenção é o retrato do garoto loiro em minha câmera.
"Bagunça loira..." - digo baixinho observando a foto com um meio sorriso.
"Então é aqui que garotas desastradas com bicicletas vêm para pensar..."
Levo um susto, desligando rapidamente a minha câmera ao virar para trás e notar que ele estava bem ali...
"O que diabos tá acontecendo comigo?" - digo em pensamento
Sinto minhas bochechas corarem em pleno ao frio que fazia, eu estava queimando só de olhar aqueles olhos verdes com mais precisão do que há minutos atrás.
Como um completo estranho poderia me trazer uma sensação segura tão grande assim?
É nessas horas que o discurso de vidas passadas fez total sentido para mim, mesmo não tendo tanta crença nisso.
"Que clichê... Sarah! Se apaixonando à primeira vista como as guria universitária da UEL... nem parece você!" - meu cérebro me notifica.
"É... talvez eu não me conheça o suficiente até o dia de hoje" - pensei alto demais fazendo o loiro ter uma expressão de dúvida
"Hmm... é...sim! é exatamente aqui o clube das garotas desastradas com bicicletas que vem em parques pensar, como assim você não sabia?" - rio baixinho enquanto solto meu nócoque na tentativa de parecer mais.... decente menos bagunçada.
"QUE? DESDE QUANDO VOCÊ SE IMPORTA EM ESTAR DECENTE E MENOS BAGUNÇADA? SENHORITA SARAH GIORDANO ISSO É FALA DE SUA MÃE GAROTA, O QUE HÁ ERRADO CONTIGO?" - meu cérebro literalmente grita aos quatro ventos em minha mente, reflexos de se ter transtorno de ansiedade.
Coloco o elástico de cabelo entre os dentes enquanto puxo meu cabelo em um rabo de cavalo, e literalmente paraliso meus braços nesse movimento, quando ele me encara, não mais com um semblante de dúvida, mas de concentração, algo indecifrável pra mim.
Ele senta frente a mim, na mesma posição de pernas cruzadas.
"Posso?" - ele diz com rosto tão próximo do meu, com o dedo indicador entre o meu lábio e o elástico de cabelo que estava lá. Em transe pela aproximação repentina, eu apenas consigo acenar dando permissão.
"Garotos com cabelos compridos e volumosos como o meu, sabem fazer um coque como ninguém, confia.... isso aqui (ele aponta pro próprio cabelo), nem sempre é uma "bagunça loira" - droga... ele me ouviu o chamando assim, olho para o chão envergonhada, com suas mãos ainda em meus cabelos no qual ele amarrava em um coque.
"Obrigada." o agradeço, com uma expressão de dúvida, com os lábios prensados para não soltar nenhuma besteira que a minha mente ansiosa já estava arquitetando.
"Ai meu Deus, será que ele é gay? tão bonito pra ser gay... pera não é isso, gays são bonitos, eles não precisam ser feios para serem gays, não.. ai não é isso que quero dizer, eu amo os gays, eu quero dizer que eu ficaria chateada de o único que até agora mexeu comigo gostasse do mesmo que gosto, e... será que soei preconceituosa, meu Deus eu não sou! Como posso me comparar às pessoas sem dignidade e respeito que são, argh para de colocar pensamentos que não me pertencem, droga!" - entro novamente em guerra com meus pensamentos sem perceber que a irritação que estava em minha mente agora estava me fazendo bagunçar o cabelo que ele acabou de arrumar para mim.
"Não, eu não sou gay por arrumar seu cabelo." - eu arregalo os olhos e abro minha boca em choque por ele literalmente ter lido meus pensamentos.
"Suas expressões me levaram a conclusão que talvez você poderia estar se questionando sobre isso." - ele diz descontraído sorrindo pra essa confusão toda que sou.
"Wow, não pensei que você era tão julgadora...." ele deixa no ar a frase, indagando que eu diga meu nome pra ele completar, e assim me recordo que ambos não sabemos o nome do outro se não por "bagunça loira" ou "garota desastrada da bicicleta".
"Sarah Giordano..."
"Francisco Alcântara..."
Ao dizer nossos nomes, nos encaramos, como se o fato de ambos saberem nomes, algo entre nós fosse encaixado, um enigma tivesse resposta, uma luz fosse acesa.
Tive a certeza que essa sensação não atingiu somente a mim...
Sem perceber, eu direcionei o meu dedo indicador ao rosto dele onde havia um respingo de cimento seco, ele instantaneamente fechou os olhos. E praticamente hipnotizada pelo momento eu digo as palavras mais sinceras sobre o que há comigo ser tão "julgadora" algo que não admito ou revelo a qualquer pessoa.
"O julgamento não é por maldade... é a ansiedade invadindo meus pensamentos a todo tempo me fazendo julgar até meu próprio reflexo." - nisso volto a realidade tirando meus dedos de seu rosto.
Sigo o seu olhar e vejo que ele está observando o arranhão em minha barriga feito à alguns minutos atrás juntamente com ele na colisão que tivemos na rua, à mostra de minha regata fina pouco levantada.
" Pensamentos demais são julgamentos daquilo que a gente tem medo de conhecer, Sarah... não tenha medo de se conhecer. Não é uma tarefa fácil, mas te garanto que o dano não será tão grande, talvez...alguns arranhões apenas." ele diz passando levemente os dedos pelo arranhão em minha barriga.
Sorrio de volta com suas palavras, palavras jamais ditas para mim, sempre tão concentrada em seu próprio mundo, ocupada demais em pensar em argumentos caso seja desarmada com ofensas por alguém.
Porque pensar tanto, se a razão pode estar diante dos seus olhos?
Pra ser mais específica, quando a razão pode literalmente te atravessar, te colidir, te encontrar em uma praça, te desarmar com gestos, te entender corporalmente sem precisar que você abra a boca, te ler como um livro aberto, te passar uma mensagem como uma fotografia, te encantar como uma canção.
"Um dia cheio de surpresas Senhorita Giordano... entre razões e arranhões eu diria..."
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The Frame
RomanceCom apenas um clique, uma infinidade de momentos, sensações e lembranças podem ser eternizadas. Assim como uma canção, um poema, um livro, são a tradução de sentimentos que jamais morrerá: as fotos, o retrato da vida, se torna atemporal. Muito mais...