Prólogo

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Prólogo

 

Dezesseis anos antes

Estaciono minha picape vermelha e velha em frente a uma casa em estilo vitoriano, segundo as instruções do Uriel, é aqui. A noite está fria e venta bastante. Resultado do meu ânimo. O vento está tão forte que faz com que os galhos das arvores se balancem e se choquem uns contra os outros. A única coisa que ainda ilumina a escuridão que cerca a casa são as poucas estrelas que brilham no céu carregado. Refletindo exatamente o turbilhão de emoções que se passam no meu coração. Essa parte da vizinhança é deserta, estou a quatrocentos metros da estrada que leva a cidade. Longe da civilização. Longe de tudo e de todos. Assim como ele exigiu.

Depois de tanto trabalho me preocupando com a probabilidade de ser encontrada, estou sendo fraca e agindo com imprudência. Fiz de tudo para impedi que chegassem a me achar. Não havia como me encontrarem e nem como me rastrearem. Pela primeira vez em muito tempo fiquei fora de radar. Consegui me esconder. Então agora estou cedendo, como uma criança louca para ter seu pirulito preferido de volta. Por um instinto egoísta estou arriscando a única chance que tive de ser livre, e por quê? Só para vê-lo mais uma vez. Só para poder ficar próxima a ele. Confiei cegamente nele uma vez e me arrependi amargamente.

Vale a pena arriscar minha vida só para ver ele novamente? Não sei.

No fundo do meu coração, uma voz me diz que não me arrependerei, ou ao menos é o que eu quero acreditar. Encosto a cabeça no volante do carro e rogo para não estar errada. Peço para que a sensação de que algo muito ruim esta prestes a acontecer não passe de um medo idiota e infantil de revê-lo.

Suspiro e desço do carro, olhando em volta como de costume. Só para verificar que não fui seguida. Passar a vida toda presa entre quatro paredes, resulta em uma pessoa cautelosa e paranoica, que duvida e questiona até mesmo a própria sombra. Depois de certificar que ninguém me seguiu ergo meu olhar para a casa a minha frente com construção alta e cheia de ângulos, pintada em cores vibrantes, abusando da assimetria e dos detalhes. Em outras palavras, parecia uma casinha de boneca. Inofensiva mais assim como as pessoas, capaz de esconder seus segredos.

Esse mero pensamento me faz acariciar minha barriga, e por impulso meus dedos deslizam pelas marcas das algemas de ferro nos meus pulsos. Fugi acreditando que estava deixando o passado para trás, junto com todo o sofrimento que me causou, mais a verdade que eu me negava a acreditar era que o passado sempre se faria presente. A dor das lembranças, a raiva, a magoa, por mais que tente encarar e superar, não consigo. Então finjo esquecer, é mais fácil, mas o meu coração sabe a verdade.

Caminho em direção a casa quando sinto o olhar dele em mim. Congelo. Esquecendo por um momento de como respirar. Seu olhar é carregado de desejo e ao mesmo tempo de lamuria. Sem ação, ergo meu olhar em sua direção.

As portas de vidro do que parece ser um dos quartos que leva a varanda esta aberta. E parado lá a silhueta de um homem que me analisa de cima a baixo. Sinto meu rosto ficar quente e agradeço que esteja escuro para que ele não perceba meu embaraço. Semicerro um pouco os olhos e o encaro por mais alguns segundos até ver sua sombra tremeluzindo devido ao vento. Prendo a respiração e dou um passo em direção a casa. Ignorando o medo que comprime meus sentidos.

***

Com o coração acelerado paro diante da porta fechada e a encaro tomando coragem para abrir. Ainda dá tempo de deixar a cidade, posso esquecer tudo isso e voltar, e então o que? Continuo fugindo? Não posso. Não mais. E se o Uriel tiver uma saída, preciso saber. Agora mais do que nunca, não posso me arriscar. Depois de um tempo, simplesmente empurro a porta. Fico olhando a escuridão do cômodo vazio até minha visão se acostumar. Perto da varanda, a sombra aos poucos vai tomando forma humana. Ele permanece parado olhando pelas portas de vidro abertas, de costas. Suspiro e entro no quarto, de todos, ele devia ser o primeiro a querer me vê morta. Então por que tanto trabalho para me ajudar?

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