Chove lá fora, posso ver as gotas escorrerem pela janela do meu quarto. É um dia frio, ventos fortes sopram balançando as árvores, um dia perfeito como diria o velho Ronald. Falando nele, posso ouvir seus passos lentos e constantes vindo na direção de meu quarto.
Ronald é um homem velho e solitário, sempre o via sentado num banco na praça com seu cachimbo olhando as pessoas passarem. Ele mora no mesmo prédio que eu, na verdade, bem em frente a minha casa. Porém nunca conversava com ninguém, mas ao menos educadamente dava um bom dia ou respondia aos seus vizinhos. Provavelmente nunca teríamos nos falado se não fosse por uma quarta-feira à noite, quando havia um jogo de futebol e meu time jogava. Quando este fez um gol, me pus a gritar sozinho na janela, sabia que todos naquele prédio e na praça provavelmente torciam para o time adversário.
Eu não, eu era a resistência e torcia para um time menos popular. Me surpreendi quando percebi que o velho Ronald estava na outra janela comemorando o gol com sua bengala para fora. Com certeza ele teve uma surpresa ao descobrir que havia um garoto ao lado que torcia para o mesmo time que ele. A partir daquele dia sempre nos encontrávamos para conversar.
As batidas de sua mão na porta me tiraram de meu pensamentos:
- Pode entrar - disse me ajeitando em minha cama, encostando minhas costas na cabeceira.
- Vapor meu jovem e sábio amigo - disse entrando sem cerimônias com seu cachimbo no canto da boca - Tudo é vapor, de manhã a noite aparece e se vai.
Ele sentou na poltrona que ficava perto de minha cama, cruzou suas pernas e deu uma baforada em seu cachimbo fazendo bolhas de sabão saírem dele. Vocês não esperavam que o velho Ronald jogaria fumaça no quarto de um doente? Esperavam? A verdade era que há muito tempo atrás ele fumava, mas não gostava de ser dominado por um vício, então substituiu a nicotina por sabão.
- Te digo que fiz em minha vida tudo o que eu queria, - ele continuou - Tive mulheres, amigos, dinheiro, fama e até meu rosto estampado em prédios e cartazes. Eu não me neguei nenhum desejo. O que meus olhos queriam, eles tiveram. Que alegria eu tive nisso? – disse, e respirou fundo – Foi tudo como um vapor, inútil! Todas as coisas são vapor jovem; mas te digo que é bom que trabalhes regradamente, que se divirta regradamente e não te entregue a nenhum prazer, pois a alegria só vem do alto! Longe dEle não há quem possa se alegrar.
- Perdemos de novo, não foi ?- perguntei com um riso no rosto.
- Sim! - disse chateado.
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Histórias de uma sacada
SpiritualOlá , me chamo Flávio e nunca saio de casa, por que? Por que sou especial, só que não em um sentido tão bom. Quando eu era criança, meus pais descobriram que eu tinha uma doença muito rara, uma doença muito forte. Ela ataca meu corpo e costumo des...