1 - Recebemos os convites que achamos merecer (ou algo assim)

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um. recebemos os convites que achamos merecer (ou algo assim)

O pequeno convite em papel cartão, com uma grafia de máquina de escrever, cheiro de lavanda e fitas dizia que a jovem, com uma emblemática expressão no rosto, estava cordialmente convidada para o chá de bebê de James Hatfield e Mandy Hellmann. O tão esperado bebê de James e Mandy.

— E então?! — O rapaz questionou entusiasmado demais para notar que sua companhia estava lutando para digerir aquele convite. Ela depositou o pequeno cartão na mesa, arqueou as sobrancelhas na mesma intensidade em que arregalou os olhos; levou a xícara marrom até os lábios e sentiu o tórrido gosto do Earl Grey queimar seus lábios e descer pela garganta. Um gosto amargo e quente, como aquele convite. Sorriu desconfortável, ainda com os lábios selados. Dizer não, definitivamente, não era uma escolha

— Sim! É claro, James! — Estava claro que seu entusiasmo era forçado, todos ali podiam sentir através da voz estridentemente alta, a gesticulação exagerada, os olhares atravessados e como ela estava prestes a correr daquela mesa a fim de fugir. — Vo-vocês terão um bebê. E... Como? Quando?

James riu, bateu levemente na própria testa e voltou a encarar a sua companhia. Ele estava em êxtase. As bochechas rosas, os olhos verdes arregalados e brilhantes, um sorriso esculpido de orelha a orelha. Um homem realizado. — Temis, você sabe como aconteceu. — Ele riu como se a mulher estivesse se fazendo de inocente apenas para adquirir detalhes sórdidos, mas se ele estivesse um tanto mais atento aos sinais saberia que ela mal queria estar ali e tão pouco queria ouvir tais detalhes. — Não contamos a ninguém até que Mandy chegasse à décima terceira semana, você sabe, até termos certeza de que será uma gestação saudável e segura.

— Oh, meu Deus, você está falando em semanas gestacionais, eu mal sei quantificar semanas gestacionais... Você está tão grávido! — Tinha um Q de desespero tão tangível na voz de Temis, um pedido descarado para que a tirassem da presença daquele homem, mas James não conseguia captar aquilo, ele nunca foi muito esperto com o que não estava literalmente em sua cara. — E isso é tão assustador!

O sorriso de James reduziu um pouco, como se ele tentasse relaxar os músculos do rosto, bebericou seu café e ficou brincando com a fita do convite. E ali, diante de um homem completamente transformado, que se tornaria pai num piscar de olhos, Temis quis chorar. Chorar de soluçar e excluir James Hatfield de seu Facebook, bloqueá-lo de seu Instagram e viver uma vida onde James Hatfield jamais tenha existido. Entretanto, para seu infortúnio, ele estava encrustado em sua vida, James era necessário e impossível de se excluir ou bloquear.

James era o cara da T.I, a quem ela recorria quando seu computador não obedecia mais aos comandos básicos, o que transformava seus arquivos em PDF num piscar de olhos. O que falava sobre o futuro da tecnologia e sabia toda a engenharia de uma máquina de café expresso. O cara do andar de cima que era amante de ficção científica e que tinha em suas paredes todos os pôsteres fan-made que Temis havia feito para ele, a personificação do estereótipo de homem nerd. James era... Agora ele é um homem de família, que provavelmente vai nomear seu primogênito com um peculiar nome de algum personagem de Jornada nas Estrelas e Temis torcia para que não fosse Tiberius Kirk.

— Sim, muita coisa aconteceu... — James refletiu. — Eu era só o cara da T.I, sem muitos objetivos concretos, que gastava metade do meu dinheiro em convenções de quadrinhos e pré-venda de jogos. Agora eu só consigo pensar em papéis de parede que combinem com os lençóis do berço.

Temis viu aquele homem eclodir do seu ovo de fantasias espaciais para um mundo de homens adultos que se preocupam com a bolsa de valores e se isso afetará as férias em família que ele passou o ano planejando. Mandy transformou James.

KIRK AND USOnde histórias criam vida. Descubra agora