madrugada

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- Sim mãe, minhas coisas chegaram tudo certinho - Tentava falar o mais baixo possível, para não acordar os alunos que dormiam nos em seus quartos, enquanto eu descia para a cozinha - Fica tranquila, tá tudo empacotado lá.

- Você ainda não desempacotou suas coisas? - Ela quase gritou no telefone, precisei afastar o aparelho do ouvido por questões de saúde, eram três da manhã e ela acha que eu ainda moro no Brasil, para me ligar nesse horário.

- Eu abri mãe, uma caixa ou outra!

- Não, você precisa desempacotar tudo, conferir se alguma coisa quebrou, eu preciso reclamar com a companhia se eles destruíram alguma coisa!

Minha mãe e sua fome insaciável por confusão.

- Relaxa mãe, está tudo intacto, o mais importante pelo menos está, antes que a senhora pergunte, sim eu montei o computador, liguei, desliguei e reiniciei pra ter certeza absoluta que não tinha nada errado com ele - Eu já virava o corredor que descia para o primeiro andar. Minha mãe estava muito mais neurótica que o normal, ontem quando eu cheguei esqueci de ligar para avisar que tinha aterrissado e isso me custou quinze minutos de sermão da parte dela, que mulher! Eu em! - De qualquer forma, precisei desmontar ele de novo, pois não tem nem lugar pra ele ficar.

- Você largou ele no chão? Allyson, Sua relaxada!

- Mãe, eu não tenho nem mesa! Queria que eu deixasse onde? Na minha cabeça? - Tentei não soar irônica, pois não duvido nenhum pouco da capacidade dela, de vender o próprio carro, comprar uma passagem para o Japão, somente para ter a satisfação de sentar a mão na minha cara.

- O pau te acha Allyson, olha o jeito que você fala comigo. Égua! - Era incrível ter uma mãe original de Rio Grande do Norte, mesmo passado a maior parte da vida em uma favela, suas giras e sotaque continuam ali, intactos.

- Deixa de coisa mãe! - Falei pra ela tirar essa ideia de me bater da cabeça, mulher neurótica!

- Deixa de coisa nada não Allyson, que eu vou até aí e te quebro no meio, e vai ser de vara!

- Desculpa - Tentar amenizar o tom de ironia não adiantou.

- Quer que eu mande uma mesa pra você?

-Não mãe, eu sei quanto você gastou só pra mandar minhas coisas pra cá, mesmo eu tentando trazer o máximo possível na mala.

- Mas você não me deixe esse computador no chão Allyson!- Cheguei na sala e olhei em volta, estava um silêncio, não tinha ninguém, se não fosse pela luz vindo da cozinha, tentei falar mais baixo.

- Deixa que eu compro uma aqui mesmo, mãe, eu preciso desligar, tá de madrugada aqui, eu preciso dormir - Cocei minha cabeça com a mão que eu estava usando pra segurar a garrafinha - Amanhã eu ligo pra você, prometo.

- É pra ligar, não se incomoda com horário não, pode me ligar a qualquer momento que você estiver livre.

- Tá bom mãe, pode deixar, até amanhã então - Tento desligar o telefone mas ela estava jorrando os elogios que economizou a vida toda, me chamando de filha linda, de inteligente, orgulho da família... Nem parece a mesma mulher que corria atrás de mim com uma vassoura.

- Também amo você mãe - Ela me diz boa noite e desliga o telefone, guardei o meu no bolso do shorts e fui até a cozinha onde tinha a luz acesa, havia alguém na geladeira.

Tentei fazer algum barulho pra anunciar que eu havia chegado. Vai que ele tem problemas do coração.

A porta da geladeira foi fechada e vi quem estava ali, era o garoto que me ajudou na aula, mas por interesse.

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