"É um chocolate quente, por favor"

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 Naquela tarde de sexta feira, a Cafetaria do Bairro estava apinhada. E o que preocupava Sugawara era que estava mesmo perto da hora de fechar. E eles não queriam repetir o episódio da semana anterior, em que Iwazumi expulsou os clientes da loja com uma vassoura. 

 Ao virar a cabeça, o platinado viu o seu amigo a ir para a cozinha, provavelmente para lavar os pratos e as máquinas. Hajime sempre fora muito agressivo, então talvez fosse melhor ele afastar-se um pouco da situação ao invés de ficar na zona de atendimento.

 Sugawara riu ao ver o seu amigo Hinata a saltitar radiantemente pelo café a dentro. Era um hábito do pequeno ruivo ir visitar o seu "irmão mais velho" no fim do seu horário de trabalho e ajudar a fechar a cafetaria. Hinata, apesar de ter uma irmã mais nova, e os dois pais, era muito apegado a Suga. Eles tinham-se conhecido no ensino médio, e desde aí que eram como irmãos. Então quando Sugawara, Yamaguchi e Iwazumi decidiram comprar a antiga loja de colchões para transformar num café, Hinata apoiou completamente e ajudou a pintar as paredes e a instalar as canalizações (se bem que neste aspeto ele desajudou mais do que ajudou). Também tinha sido a ideia do ruivo de por a parede de ardósia preta, juntamente com o balde de giz branco, para os clientes poderem deixar mensagens. Por isso é que os três deviam todo o sucesso da cafetaria a Hinata, visto que a parede de ardósia tinha virado uma trend no Instagram, e nas horas de almoço, eles tinham filas para entrar, a cada dia chegava um e-mail de um influencer para fazerem colaborações. Podia-se dizer que a Cafetaria do Bairro era um sucesso. 

 Yamaguchi suspirou enquanto trancava a vassoura na dispensa. Ele era o grande responsável pela limpeza naquele café. Yamaguchi não conseguia ver nada desarrumado, dava-lhe nervos, então quando soube que os seus dois amigos iam fundar uma cafetaria ele desesperou, sabendo que nem Sugawara nem Iwazumi eram arrumados. Por isso é que quando a oferta de trabalhar na Cafetaria do Bairro apareceu, ele aceitou sem pensar duas vezes. Porque sozinhos o platinado e o moreno agressivo transformariam aquele pequeno café acolhedor num pandemónio. Ao fechar a dispensa, Yamaguchi decidiu por também um cadeado. Não porque tinham coisas valiosas lá dentro (a não ser que vocês contem produtos de limpeza como preciosidade), mas sim porque queria evitar outra vassoura partida. Após fechar o pequeno cómodo, ele decidiu ir avisar os clientes que estava quase na hora do fecho e que era melhor eles irem embora. E foi desanimado até à zona dos computadores, porque sabia que era o sítio mais difícil de desligar no café. Ele tinha que acertar na ficha, porque se pegasse o errado o café todo iria abaixo. E os fios todos emaranhados não eram fáceis de descodificar visto que eram todos pretos. 

 Ao fim de algum tempo, de muitas tentativas e de quase mandar a eletricidade da cidade inteira abaixo, Yamaguchi voltou a levantar-se e, ao reparar que ainda haviam clientes na loja, ele bufou irritado. Ele só queria ir para casa. O seu gato estava à sua espera. E Yamaguchi estava preocupado, porque, quanto ele sabia, os gatos não se alimentavam sozinhos. Ele voltou a bufar enervado à medida que ia para a cozinha ter com Iwazumi. Porque se havia alguém mais imprevisível e agressivo que o seu gato, esse alguém era Hajime.  E, Tadashi, como era o racional daquela amizade, teve de ir fazer de baby-sitter para o seu amigo. Que rica vida. Ele serviu-se de um café e preparou-se para enfrentar o seu amigo irritadiço no fim do expediente. Mas nem mil cafés o preparariam para o que ele encontrou ao abrir as portas pesadas da divisão. 

  Sugawara limpava o balcão enquanto ouvia Hinata tagarelar alegremente sobre o seu trabalho. Hinata era professor de Educação física num jardim de infância. Koushi gostava de dizer que ele dava aulas ao jardim de infância, porque se ele desse aos mais velhos ainda o confundiam com um dos alunos. Era divertido ver a cara de irritação de Shouyo nessas alturas. 

 Ao ver que o detergente "limpa-tudo" tinha acabado, Sugawara lançou um palavrão para o ar. O seu precioso "limpa-tudo" era o único tipo de produto de limpeza que conseguia tirar tudo do balcão de mármore. Desde café a manchas de gordura (que vinham só de Deus sabe donde) tudo saía. Ele levou a mão às têmporas. Era sexta-feira, por isso o stock dos supermercados estava em baixo, só iria ser reposto na segunda feira. E os fins de semana eram os dias mais  atarefados na Cafetaria do Bairro. Ia ser um pesadelo limpar os balcões sem aquele milagre de Deus que se chamava detergente "limpa-tudo". 

 Enquanto Suga pensava se tinha daquele produto de limpeza em casa, os últimos clientes que ainda estavam no café começaram a sair. 

 Ele pôs em questão deixar Iwazumi e Yamaguchi limparem o café enquanto ele ia ao seu pequeno apartamento para ir buscar o detergente que precisava. Mas rapidamente descartou essa ideia. Se deixasse os seus dois amigos sozinhos, o mais provavelmente partiriam alguma coisa. E Sugawara gostava demasiado das suas máquinas de café para as deixar aos cuidados descuidados das criações de anticristo que eram os seus amigos e Hinata juntos. Koushi teria de se contentar com apenas limpar o seu precioso balcão no dia seguinte. 

 O sino que se encontrava à porta da Cafetaria do bairro tocou tão repentinamente, que Hinata, que estava a limpar a parede de ardósia, deu um salto e bateu com o pé contra a parede. Enquanto ouvia o ruivo baixinho xingar a parede até à sua décima geração (n/a: será que as paredes têm gerações?), Sugawara olhou para o recém chegado. 

 Ele odiava aquele tipo de clientes. O tipo que pensa que os cafés não têm horários. Aquele que não quer saber se eles têm mais alguma coisa para fazer ou se as máquinas já estão lavadas. O tipo de cliente que entra no café independentemente da hora. Como se fosse o dono. Eles já tinham banido algumas daquelas criaturas, porque eram uma cafetaria de respeito. 

 Como Hinata ainda não tinha acabado de amaldiçoar a parede ("realmente, aquele nanico, para um metro e sessenta e poucos, sabe muitos palavrões", pensou Suga) e o cliente mal-educado ainda estava a ver a ementa presa na parede (ao menos isso, porque Sugawara não estava com boa disposição suficiente para ir buscar um menu) Koushi aproveitou para realmente observar o cliente. Ele usava roupa completamente preta. Umas calças soltas, uma sweatshirt comprida e com bolsos, um boné com o símbolo dos New York Yankees e uns óculos de sol pretos também. Ele riu interiormente com a escolha do visual, apostando para si mesmo que o seu cliente ia pedir um café preto. Mas aquela criatura de Satanás que tinha interrompido o seu dia e feito com que ele ficasse mais tempo no seu trabalho consegui surpreendê-lo mesmo assim. 

"É um chocolate quente, por favor" foi o que ele ouviu sair da boca do homem alto que estava à sua frente, antes de Hinata se desmanchar às gargalhadas


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