O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria;
como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia com nome de Severino
filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença
é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar
terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
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Morte e Vida Severina
PoetryMorte e Vida Severina é um livro de poema regionalista e modernista do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto, escrito entre 1954 e 1955 e publicado em 1955.