O raiar do Ouro

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Oi pessoal, tudo bem?
Esse é um de meus contos, decidi dividir com vocês um pouco das coisas que escrevo, espero que gostem :*
Boa leitura...

Com todo o cuidado arrumou milimetricamente a cadeira no centro do cômodo defronte a janela, de modo que pudesse ver a beleza do pôr do sol, não por um motivo qualquer, cada pôr do sol era um lembrete do início de sua vida, de seus fracassos e suas vitórias, queria fazê-lo, mas na hora precisa, sabia que hora seria, na mesma hora que o sino da igreja tocasse, aquela fazia questão de sincronizar com perfeição o horário correto do nascer e do pôr daquele que iniciava e terminava seus dias.

Sabia que faltava uma hora, mas seu perfeccionismo impedia que deixasse tudo para o último minuto, queria ter certeza de que estava deixando absolutamente tudo na mais perfeita ordem.

Olhou ao seu redor, a mesa próxima a porta tinha papéis ordenados, ela os recolheu e os passou, lendo cada nome que havia nos envelopes: Louise, Sophie, Louis e demorou os olhos no último envelope lacrado, o nome reluzia mesmo escrito em papel com a tinta mais vagabunda: Lucille.

Sentou-se na cadeira em prantos, os olhos fixos no papel, pode sentir seu mix de sentimentos ruir seu interior, a janela do cômodo tão fechada quanto sua alma, a diferença era apenas uma: mesmo fechada a janela deixava transpassar o som da rua, dos carros, das pessoas. Sua alma já estava fechada, vazia, não havia mais som, nem risos nem choro, apenas a mais amarga e silenciosa solidão. O céu começava a dar sinais que o tempo estava acabando, levantou-se melancolicamente e organizou as cartas novamente na mesa, apanhou o notebook. Sabia que tinha coisas a fazer e que seu amigo não demorava a chegar, quando se paga por algo o cobrador não tarda a aparecer. Abriu-o e a tela possuía uma foto de seus três filhos rindo e brincando no campo verde do jardim primaveril, sorrisos plenos e gostosos, tão inocentes quanto o cão que abraçavam tão divertidamente, demorou-se na foto admirando os filhos, Louise a mais velha tinha os olhos dela, um verde profundo e enigmático, ninguém nunca sabia o que a mais velha dos trigêmeos pensava, Sophie mesmo com tão tenra idade era de longe a mais sábia e calma dos três, possuía os cabelos ruivos como fogo e sardas pelo rosto que a faziam franzir o nariz quando a mãe as contava, Louis o mais novo, o mais forte e protetor, se sentia assim por ser o único homem em uma família de quatro mulheres, era compreensível seu modo de ser.

Abriu a pasta onde todas as fotos estavam, todas que valiam a pena guardar por perto, percorria aquele caminho de olhos fechados, podia dizer onde estava cada foto que procurava e abriu sem errar a de sua mulher.

Lucille era a luz da sua vida, que iluminava seus dias mais sombrios, fechou os olhos por um instante e pode sentir o cheiro de jasmim que ela exalava, aquele cheiro que a tudo inundava. Lembrou-se do dia que a conheceu, 27 de Março de 2003, o dia estava chuvoso e Aurore estava em seu café preferido esperando que a chuva amenizasse para ir embora, não tinha o costume de caminhar com o guarda - chuva, mesmo sabendo que residia em um local que a chuva era mais presente que o próprio ar, o local estava lotado e isso não a impedia de ler seu artigo com a devida atenção, o que a tirou de foco foi uma linda moça que ao se aproximar tocou em seu ombro, toque delicado e suave, sua pele se arrepiou ao senti-lo, os olhos castanhos brilhavam com uma luz intensa e uma voz doce e suave a perguntou se podia sentar-se ali, pois o local estava cheio, com um sorriso bobo e um olhar vidrado ela disse que sim, seu artigo agora não era mais importante, aquela moça era.

Daquele dia em diante, não se separaram mais, foi um amor à primeira vista que não foi questionado, apenas sentido e aproveitado, durou quase quinze anos, quinze anos de muito amor, compreensão, felicidade, brigas, companheirismo, Aurore e Lucille tiveram os trigêmeos sete anos depois que estavam juntas e curtiram cada momento que puderam daquela infância gostosa e complicada que apenas três crianças de uma vez pode proporcionar, lembrou de cada febre, cada gripe, cada birra e riu sem entender como aquilo passara tão depressa, os sorrisos, os mimos, as promessas não cumpridas, o momento interrompido, as más escolhas feitas. Não tinha mais volta, era um caminho apenas de ida e estava disposta a pagar o preço. Fechou as fotos, e pôs-se a colocar as coisas em ordem, digitando rápido, transferindo as finanças e por fim abriu uma página no word, digitou com pressa algumas palavras, estava chegando a hora, terminou de escrever e ajeitou o notebook ao lado de uma vaso de flores, jasmins brancas perfumavam o ar.

Como previra seu amigo não tardou a chegar, Caronte esticou a mão esperando pelo pagamento de sua viagem, sabendo que seria um trajeto longo não se preocupou, apenas se recostou no barco e abraçou aquela que a tanto lhe fazia companhia: a solidão.

No quarto do hospital a única coisa que pulsava era o cursor do computador onde ela havia escrito:

"Tiraram-me a vida quando me tiraram minha luz, minha combatente gloriosa, minha sabedoria e meu guerreiro, hoje nada mais tenho além do cheiro artificial dessas flores, então eu vou, dar descanso a esse corpo cansado que não aguenta mais lutar, vou na hora que nasci, na hora que te conheci, na hora que renasci mãe e na hora que os perdi. Até breve.

                                                                                                                                                              Aurore"

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