Prólogo

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LOUIS

Meu primeiro passo para fora da sala era carregado de alívio. Escuto Márcia, minha médica, se despedindo e sussurro um tchau automático, me sinto aéreo no fim de todas as consultas, é inevitável não me sentir assim, quero dizer, quando você tem um vírus comprometedor no seu organismo, cada exame que indique algo bom é mais uma vitória.

- Sr. Tomlinson, podemos marcar a próxima consulta para daqui quatro meses? – a secretária me aborda enquanto passo pela recepção. Faço que sim com a cabeça e peço se ela poderia falar com a clínica que fornece meus exames de sangue, os check-ups constantes já não me incomodam, mas marcar essas coisas realmente são um saco.

Eu sou soropositivo. Eu tenho HIV, o que não é a mesma coisa que ter Aids, e também não saio por aí passando o vírus. Faço o tratamento, uso camisinha e sou indetectável, mas isso não impede que pessoas me olhem torto se descobrirem meu diagnóstico, por isso, esse é meu pequeno grande segredo. Saio da clínica e vou até o posto de saúde local, entrego a receita com meu número na UDM (Unidade Dispensadora de Medicamentos) e pego os antirretrovirais. É essa caixinha que me ajuda, o famoso coquetel agora é resumido a um comprimido com uma composição que eu, como péssimo aluno em biologia e química, nunca entendi direito, mas sou grato por.

Com o coquetel bem escondido em mãos, meus exames bons e minhas consultas agendadas, vou para casa. Moro num apê na trindade, aqui em Florianópolis, faz dois anos que divido aluguel com o Pedro, isso significa que faz dois anos que eu acordo todo dia com ele enchendo o saco sem saber mexer na cafeteira ou tocando violão pelos cantos, mas eu gosto. Estacionei o carro e subi para o apartamento vazio, Pedro deveria estar na faculdade então me joguei no sofá e liguei a TV só para ter algum som de fundo no apê vazio. Levantei depois de um tempo vadiando mexendo no celular e fui para cozinha tentar cozinhar algo decente para a janta.

Quando já tinha feito um arroz (que queimou no fundo, mas ninguém precisa saber disso) e cortava com o maior cuidado do universo mais uma cebola, ouvi a porta bater e um suspiro forçadamente alto.

- não aguento mais ser estudante, vou virar agiota – o sotaque de Pedro preencheu nossa cozinha pequena e eu não pude deixar de rir e revirar os olhos – você cozinhou?

Bem, eu não sou a melhor pessoa na cozinha então apenas dou o dedo para a cara de surpresa teatral de Pedro.

- Sim, Calais – esse é o sobrenome dele – eu cozinhei e ficou bom, melhor do que seus miojos cheios de sei lá quantas doenças aquilo tem

- meus miójos que estavam ali guardados? – ele pergunta rindo e indo até o armário de pratos, arrumando a mesa e se sentando conforme eu servia a janta.

- conheci uma menina – ele fala depois de terminarmos a janta em silêncio.

- cara isso é incrível! – falo genuinamente empolgado – quem é?

- Giullia o nome, da faculdade – ele sorri e eu sinto que ela deve ser legal – mas e você?

- eu o que? – pergunto me levantando da mesa e recolhendo a louça, não iria lavar obviamente, quem cozinha não lava, é a regra, mas iria ajudar.

- Quando você vai tentar conhecer alguém, Lou? – Ele fala indo pegar um avental – Já ta na hora...

- Conhecer alguém pra quê? – respondo me escorando na janela em frente a pia, ouvindo os pratos serem lavados – Pra acontecer tudo aquilo de novo? Pra eu ter que ouvir merda? Ou para eu nem ouvir nada e lidar com um silêncio eterno? Não, obrigado Pe

Observo as poucas estrelas que cobriam o céu e conto conforme ouço o som das louças sendo deixadas no escorredor.

- Sabe, você tem a vida toda pela frente, Louis, não deixe esse vírus te privar de algo, você não é o HIV. Vamos lá cara, dá uma chance pra felicidade...

Suspiro me virando, observo o pano de prato no ombro dele, os cachos que cresciam e o sorriso solidário no seu rosto. Sabia que não havia como dizer não, ou ele insistiria até eu perder essa discussão por desistência.

- Tá bom, mas só se eu puder conhecer essa garota nova, hein?

Ele sorri de orelha a orelha e concorda com a cabeça freneticamente, sei que ele vai me enrolar para conhecer a garota, mas eu entendo. Pedro vai até a sala e grita para que eu o acompanhe, o cômodo é pouco iluminado, questão de economia sabe como é, mas consigo vê-lo deitado no sofá com meu celular em mãos.

- Instalei o Tinder, selecionei rapazes numa distância que não fuja da Grande Florianópolis e agora você vai sentar essa sua bundona do meu lado, e nós vamos dar vários corações até sua alma gêmea dar match nessa porra e você largar mão de ser ranzinza

Revirei os olhos e bufei. Mas fiz exatamente o que Pedro instruiu, não vi o tempo passar enquanto passava as imagens para os lados conforme analisava a pessoa na tela, até que...

- MATCH – Pedro grita no meu ouvido – vamos analisar esse belo moçoilo...

Era um cara bonito realmente, talvez a ideia não fosse tão ruim.

NO JUDGEMENT- L.SWhere stories live. Discover now