Mais uma vez eu me via sendo arrastada por um longo corredor, mas diferente do outro, esse não tinha obras de artes ou grandes candelabros iluminando o caminho. Tanto as paredes quanto o teto eram feitos de pedra bruta e a pouca iluminação do ambiente vinha de tochas presas nas paredes. O corredor era frio e fedia a mofo e a alguma coisa podre. Vez ou outra eu podia sentir algo passando por cima do meu pé, sem dúvida eram ratos, eca. Depois do que pareceu uma eternidade, saímos do corredor mal iluminado e subimos uma escada tão assustadora, longa e fedida quanto o corredor. Aquele lado do castelo era de dar arrepios e apesar de trabalhar ali, limpando e arrumando todos os cômodos eu nunca tinha ido naquela ala do castelo, nem sequer imaginava que existia algo assim dentro da construção onde eu praticamente fui criada.
Sim, eu fui criada no castelo, mas não sou nenhuma princesa. Na verdade, eu não faço ideia de quem eu sou, de onde vim ou o que eu era antes de ser encontrada por alguns empregados, ainda criança, vagando pela floresta que cerca o reino. Não fique com pena de mim, situações como a minha são mais comuns do que parece nessa época. Além do mais, eu tive uma boa vida apesar de tudo. Fui bem cuidada e alimentada por Anette e Sami, um bondoso casal que trabalha até hoje na cozinha do castelo. Eles cuidaram de mim, me vestiram, alimentaram e ensinaram a sobreviver nesse reino gelado e cruel. Foi por causa deles que fiz o que fiz. Depois de anos e anos trabalhando como uma escrava e tendo que dividir migalhas com os meus pais adotivos eu não aguentei mais aquela situação. Não aguentei mais olhar em volta e ver o povo, os verdadeiros donos daquela terra passando fome e frio enquanto o Mestre do castelo esbanja comida e bebida com alguns idiotas que vem sabe-se lá de onde para usurpar o que é nosso. Posso não saber de onde eu vim, mas hoje eu pertenço a Kiev! Aqui é o meu lugar, esse é o meu povo!
A cada degrau que eu subia, a raiva aumentava dentro de mim e brigava com o medo que antes me dominava completamente. Não bastava me ameaçar, me machucar e me deixar tremendo de medo de sua ira. Ele ainda tinha que me fazer subir num sei quantos mil degraus, para ir até sabe-se lá onde e fazer sei lá o que. Ele queria brincar comigo, me maltratar e humilhar. Se tinha uma coisa que eu tinha certeza... é que o Lord sabia ser cruel. Desde que cheguei ao castelo, sempre me ensinaram a ficar longe dele. A nunca o encarar ou cruzar o seu caminho, principalmente a noite. Bom, agora sabemos que no final das contas, eu não aprendi nada. Afinal, cá estou sendo arrastada por uma escada interminável que deve levar direto para a torre mais alta do castelo.
Depois do que pareceu séculos, finalmente paramos de subir. Fui levada até um enorme quarto, ricamente adornado e iluminado por uma enorme janela. Meus captores me jogaram dentro do quarto sem nenhuma delicadeza. Trancado a porta atrás de mim assim que eu entrei no cômodo tropeçando, quase caindo de cara no chão, que para a minha surpresa estava limpo e polido destoando completamente da escada e corredor que levavam até ele. Não faço ideia de quem dormia ali, mas tinha um ótimo gosto. A enorme cama de dossel alto estava forrada com lençóis de linho branco bordados com delicadas flores azuis. Flores essas que adornavam todos os objetos do quarto, desde a delicada escova de cabelo minuciosamente posta na penteadeira até o pesado baú de carvalho aos pés da cama. Tudo naquele quarto parecia ter sido preparado para uma delicada princesa. Fico me perguntando quem era essa princesa, sem dúvida eu não sou. Mas acho que vou conhecê-la em breve. A porta voltou a se abrir, mas para a minha surpresa não foi nenhum carrasco ou princesa que passou por ela. Mas sim Sarah, a governanta do Castelo junto com mais cinco criadas que eu nunca tinha visto antes. Será que elas eram as responsáveis por cuidar dessa ala secreta da construção?! Sarah era uma mulher de meia idade, alta e esguia, com um olhar frio que fazia até o sangue do guarda mais corajoso gelar de medo dela. Ela tinha fama de ser rígida e impiedosa, mas a fama não era nada comparada à realidade. Até hoje minhas costas doem ao lembrar do primeiro castigo que ela me deu. Involuntariamente eu tremi ao lembrar da dor provocada pelo chicote de Sarah em minhas costas.
- Olha só o ratinho que caiu na teia do dragão.
- Olha só a bruxa que veio tripudiar dos mortos! - Dei o meu melhor sorriso falso para ela, mesmo sabendo que ela estava ali para me punir eu não iria dar o gostinho de deixar Sarah me amedrontar. Eu iria morrer, mas morreria lutando!
- Sorte sua que o mestre quer você inteira. - Pude sentir a ira na voz dela e confesso que aquilo me agradou. - Mas pode tirar esse sorrisinho do rosto, criança. Ele quer você inteira para despedaçá-la com as próprias mãos.
Um arrepio percorreu meu corpo. Agora eu estava em dúvida se preferia ser punida por Sarah ou ser deixada a mercê do Lord. Não tive tempo de pensar muito sobre isso. Com um aceno da governanta, as criadas que a acompanhavam começaram a me despir sem nenhuma cerimônia. O sorriso morreu em meus lábios para brotar nos de Sarah.
- Acalme-se Meredith, ainda não vamos lhe fazer mal. Hoje você será a Boneca de Pano do Lord Pekka.
- O que aquele monstro vai fazer comigo Sarah?
- Não faço ideia, criança. Por enquanto a ordem dele é que você fique apresentável como uma dama.
Ela mexia no baú aos pés da cama, tirando vestidos e anáguas de dentro dele, enquanto as criadas me lavavam, penteavam o meu cabelo e pintavam o meu rosto. Eu realmente parecia uma boneca sendo jogada de um lado para o outro sem controle nenhum do que fazia comigo.
- Eu disse ao Lord Pekka que seria uma tarefa difícil transformá-la em uma dama. - Sarah finalmente escolheu um imenso vestido azul claro, adornado por delicados cristais e aplicações de pequenas flores e borboletas ao longo do decote e das mangas e entregou para uma das criadas. - Não pela sua aparência. Entenda Merry, você é até bonita. Mas tem os modos de um fazendo, se comporta como um ogro e agora sabemos que é burra como uma porta.
- Nossa... só elogios. Obrigada Sarah! Você também é delicada como o coice de uma mula e bonita como uma cobra.
Assim que senti meu rosto arder, eu soube que tinha passado dos limites e tirado Sarah do sério. Apesar do tapa ainda arder em meu rosto, não pude deixar de sorrir vitoriosa. Pelos menos a alegria de irritar Sarah uma última vez ninguém iria tirar de mim.
Depois de ser jogada de um lado para outro, ter os cabelos puxados e repuxados e quase sufocar de tanto pó de arroz que jogaram na minha cara, parece que finalmente eu estava pronta. A governanta sorria satisfeita ao me olhar analisando o trabalho das criadas. Ela me puxou pelo braço, arrastando-me até o outro lado do quarto para que eu pudesse me ver no grande espelho. Confesso que elas fizeram um ótimo trabalho, eu quase não me reconhecia. Meus cabelos estavam soltos porém dispostos em graciosos cachos soltos e adornado por uma bela coroa de flores, como se eu fosse algum tipo de sacerdotisa ou oferenda. O fino delineado preto realçava o azul dos meus olhos e o batom vermelho desenhava a minha boca de uma forma que eu nunca pensei que poderia fazer. O corpete extremamente apertado fazia os meus seios saltarem pelo generoso decote do vestido que seguia justo pela minha cintura e se abria em camadas e mais camadas de volumosas saias. De fato, eu parecia uma das damas da corte... graciosa e recatada.
- Quase uma dama! - Sarah me olhou de cima a baixo pela última vez e acenou como se aprovasse o resultado final. Ela bateu palma duas vezes, e eu sabia que era pra chamar os guardas que deveriam estar de vigia na porta do quarto. - Levem-na para o mestre!
Assim que a porta se abriu, mãos geladas me seguraram pelos braços e me arrastaram de volta ao corredor imundo e a escada sem fim. Dessa vez o caminho parecia ainda mais longo devido a dificuldade para andar que o enorme vestido de baile causava. Mas ao menos dessa vez eu não estava com pressa, longe disso, cada minuto a mais naquele corredor de pedra era um minuto a mais com vida e longe do meu algoz...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dance with the Dragon
Fantasy" Não posso dizer que sou inocente, longe disso. Eu peguei algo que não me pertencia e agora o dono quer de voltar o que de fato lhe pertence. Estou em uma baita enrascada e só os deuses sabem o que vai me acontecer. Mas no fundo, eu não me arrepen...