Ao longo dessa narrativa você irá perceber uma coisa: não costumo agir com hipocrisia. Por tanto, não irei mentir sobre as longas dez horas de sono que dormi naquele sábado. Seria mais interessante, poético e dramático dizer que mesmo cansado permaneci buscando explicações para fuga repentina de Mila, quem sabe atrás de pistas para contrariar sua vontade e ir atrás dela, mas a verdade é que minha última marmita da semana estava intacta e eu comi, deitando um pouco depois e apagando logo em seguida. Acordei quase três da tarde com a campainha tocando sem parar, me levantei resignado e sem me recordar que havia sido abandonado.
Na porta estava Angélica acompanhada de Sabão, seu cachorro. Não tínhamos amizade, mas também não éramos desconhecidos. Quando nos mudamos para o condomínio ela já residia aqui com seu fiel amigo, e se bem me recordo com mais uma pessoa que com o passar dos meses não vi aparecer mais.
A vergonha se abateu sobre mim rapidamente quando percebi que atendi a porta só com o short do pijama e sem blusa, Angélica levou poucos segundos para voltar sua atenção para o meu rosto.
_ graças a Deus! Achei que você havia morrido aí dentro homem! – a voz estridente da moça combinava com sua estatura mediana, a pele negra clara e os olhos grandes. Ela sorria de uma maneira sincera enquanto segurava a coleira de Sabão, que não parecia interessado em fugir de sua soneca nos pés da dona.
_ é um risco que se corre. Quer um café? - ofereci sem jeito.
_ quero uma água, se não se importa. Parece que você ainda estava dormindo, mas como não vi nenhuma movimentação na casa e te vi chegar ontem, fiquei preocupada. Desculpe a invasão e a futricagem.
Ri pela preocupação repentina e a convidei para entrar. A vizinha da frente também corria, não profissionalmente como Milla, mas algumas vezes ela acompanhava minha esposa em corridas matinais. Por isso era comum vê-la ali tomando água, mostrando um modelo novo de tênis ou trazendo uma nova receita. Pedi licença por uns instantes e troquei de roupa, voltando para fazer um café enquanto ela comentava que saiu para correr no horário de sempre, e não me viu ir para o hospital, que mesmo se recordando de ter me visto ir trabalhar no dia anterior, ficou preocupada por não ver nenhuma movimentação na casa durante todo dia.
_ eu fiquei preocupada. Me desculpe incomodar, Caio. Mas como vi Milla sair com umas malas, presumi que vocês fossem viajar, mas vi você chegar depois, e como não te vi durante o dia, logo pensei que você havia passado mal sozinho aqui.
_ não precisa se desculpar Angélica. Fico agradecido por ter se preocupado, prestado atenção no meu sumiço. – sou sincero ao agradece-la, a demonstração repentina de cuidado acariciou meu coração machucado.
_ sem essa. Você quer almoçar? Está frio, mas micro-ondas foi feito para ocasiões feito essa não é mesmo?
Pondero minhas opções rapidamente, e posso acompanha-la para fora da minha casa sem o perfume da minha esposa fugitiva no ar e com comida pronta, ou ficar e sentir o cheiro dela enquanto preparo uma comida, já que a última marmita da semana eu havia comido pela madrugada. Aceito com um sorriso enquanto ela me aguarda passar o café, encher a garrafa e limpar a pia. Durante todo o tempo ela fala sobre diversos assuntos aleatórios e em boa parte deles me fez rir, não me arrependo nenhum segundo enquanto tranco a porta e atravesso a rua em direção a sua casa com a garrafa de café debaixo do braço.
A casa de Angélica é idêntica a minha em estrutura, porém a decoração da vizinha é totalmente oposta. Entramos na sala e um jogo de sofá moderno na cor amarela grita por atenção. Entre eles há um tapete felpudo, dos que Mila não permitiu que eu comprasse para casa de jeito nenhum. As paredes da casa dela são decoradas com um papel de parede que imita pequenos tijolinhos – ou pelo menos eu acho que é papel de parede. Ela me solta o cachorro da coleira depois de fechar a porta da frente e me pede alguns instantes para tirar o tênis, ela me deixa a vontade em sua sala de estar e continuo observando a decoração moderna e interessante. Há uns quadros decorativos pela parede, a sala nem parece usada de verdade, de tão bem montada e impecável.
_ vamos para a cozinha? Estou contente em ter companhia para o almoço de hoje. – ela comenta assim que retorna usando a mesa legging colorida e top preto, agora com os pés no piso frio.
_ eu fico contente pelo mesmo motivo. Até porque eu não queria ter de cozinhar hoje. – comento sem jeito e entramos na cozinha. Mais uma vez sou surpreendido pela decoração inovadora e bonita, mesmo com a cozinha em tamanho médio igual a minha, as cores claras fazem parecer que o ambiente é maior. – Angélica confesso que estou impressionado, a decoração da sua casa é linda.
_ a arquiteta agradece pelo elogio! – ela estende a mão em minha direção rindo, aperto entendendo que ela é a profissional responsável pelo local.
_ ainda bem que não falei mal... - comento rindo.
A conversa sobre decoração se estende enquanto ela retira alguns refratários da geladeira para esquentar, há uma espécie de ilha no meio da cozinha que faz papel de mesa, e todos os eletrodomésticos estão nas paredes. O lugar muito me agrada. Ela me orienta a puxar os bancos depois de colocar as comidas já prontas em cima da ilha, para que possamos comer.
Minha vizinha contou que havia começado administração como primeira faculdade, mas rapidamente percebeu que não conseguiria levar a adiante e trocou para arquitetura, mesmo indo contra a vontade de seus pais.
_ a verdade é que vou contra qualquer pessoa se for para que eu esteja bem. Você entende? – ela pergunta
_ entendo e concordo. Desde que não esteja passando por cima de ninguém, claro – ela afirma com um gesto de cabeça – nós passamos muito tempo de nossas vidas tentando agradar os outros, com a esperança de que um dia teremos liberdade para viver o que de fato queremos, sendo que no fim das contas não temos controle de nada. Só dos passos que damos.
_ UAU! – a expressão animada de Angélica me contagia e ela bate palmas elogiando minhas palavras. – posso conversar uma coisa com você?
_ pode sim. – respondo curioso.
_ eu sei que ela foi embora.
* *
se tiver alguém aí, dá um oi e me diz o que está achando hahaha
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Passagem Premiada
RomanceCasar-se com Mila era a maior realização de Caio. E ele esperava ansioso pelo momento que pudesse segurar um fruto do relacionamento deles nos braços. Mas tudo sai dos eixos quando em uma noite ele chega em casa e tudo o que resta da esposa é um bi...