Capítulo I - A luz e a serpente

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Antes do tempo, havia a eternidade. E, ao seu fim, ela será tudo que restará. Pois a eternidade é o tempo do Deus Único. Sua essência e Sua morada.

E, no vazio e na escuridão eternos, Deus conhecia o Bem e o Mal. Não como Seus filhos, depois Dele, mas na forma mais pura e poderosa que essas duas forças jamais existiram, guerreando no âmago do Senhor para libertarem-se uma da outra.

O destino do Universo, ainda a ser criado, foi decidido nessa batalha primordial, quando finalmente o Bem mostrou-se mais forte e prevaleceu. Assim, Deus arrancou o Mal de dentro de Si e aprisionou-o firmemente em Sua mão esquerda para que jamais escapasse. Uma sombra irracional de ódio e desespero, enfraquecida pela separação e humilhada pela derrota, serpenteando entre os dedos de Deus com um único desejo. Vingança.

Livre do Mal, Deus cresceu em poder e amor. Porém, nada havia para Ele amar. Então, Ele ergueu Sua mão direita, e Dela se fez a luz. Um clarão tão intenso que os olhos do Senhor fecharam-se. Era o nascimento do tempo como o conhecemos. Pois a luz, que deveria ser eterna, serenou. E, em seu pequeno ponto de origem, sobre a descomunal palma da mão direita do Senhor, havia agora a mais linda criaturinha. Tão perfeita quanto o próprio Criador. Um delicado bebê, de ralos cabelos negros e envolto em suave luz própria. Ele era à imagem e semelhança de seu Pai Todo-Poderoso, à exceção do par de delicadas asas que trazia às costas, com penas de um branco tão vívido que pareciam brilhar.

O pequeno ser abriu os olhos em um sorriso de puro amor e viu Deus chorar de alegria. Uma alegria que Ele não imaginava possível. Tomado pelo inédito sentimento, o Senhor proferiu Suas primeiras palavras, revelando Seu Santo Nome ao amado filho.

Com o coração inundado pela graça de Deus, o bebê bateu as diminutas asas pela primeira vez e voou. Ele disparava, rodopiava, subia e descia numa dança frenética de felicidade. Repetia sem parar o Nome do Senhor, num louvor de amor inconteste. Desejava voar para sempre em torno de seu Deus.

E ele voou e voou, enquanto o tempo passava e ele amadurecia, vindo o bebê a transformar-se em um menino. Para Deus, era como olhar a Si mesmo como criança.

Sobrevoando a imensidão do Senhor, repentinamente, o jovem alado experimentou um sentimento diferente do amor, tudo que conhecera até então. Uma sombra escura e opressiva desceu como um manto sobre ele.

Erguendo o olhar, ele percebeu, a uma distância imensurável, uma das enormes mãos de Deus segurando um espírito negro que se contorcia e vibrava numa luta sem trégua para libertar-se.

O menino ficou ali, parado, flutuando inerte no limbo, num misto de surpresa e estranha fascinação por aquela forma obscena.

– Essa é a Besta que habitava dentro de Mim – revelou Deus. – Não a tema, pois não permitirei que ela lhe faça mal.

– Como pode um ser tão medonho haver existido no seio do Criador, Que é só bondade, razão e beleza?

– A natureza de Deus é um mistério além de sua compreensão.

– Sim, meu Senhor – disse o jovem, baixando a cabeça. – Eu perguntei apenas pelo amor e preocupação que tenho para com o Todo-Poderoso.

– Lembre-se, Meu filho. Além da Minha perfeição, dei-lhe a sabedoria. Use-a para reconhecer e debelar o Mal, se algum dia este se insinuar em seu coração ou aventurar de longe para atingi-lo. Pois maiores são as forças do amor e do conhecimento. Contra elas, nada podem a fúria e a selvajaria.

O menino assentiu e agradeceu pelas dádivas do Senhor. Mas, ao presenciar o Mal, ele perdeu a inocência e sentiu vergonha por estar nu. Percebendo isso, o Criador proveu-o com um manto negro, de tecido macio e resistente, para vestir.

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⏰ Última atualização: Aug 23, 2020 ⏰

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