MARVIN-02

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1º Dia

Durante a decolagem, fiquei de olho em todos os monitores. Os primeiros minutos são os piores. Não tenho controle de absolutamente nada. A nave, os sistemas de inteligência artificial (IA) e telemetria com a base em Boca Chica fazem praticamente tudo. O clima é aparentemente bom, mas sinto que uma rajada de vento na alta atmosfera faz a nave girar levemente em torno do seu próprio eixo. Faltam apenas alguns segundo para os comandos voltarem para o manual. Se o pessoal de solo e a IA não resolverem logo isso, podemos subir em parafuso e teremos que abortar a missão logo no início.

A doutora McCoy suspirou um "ai meu Deus". Na verdade, ela apenas sussurrou. Deve ter pensado alto. A nave começou a chacoalhar, fazendo uma trajetória levemente parabólica, desviando o nosso curso original. Infelizmente, ainda não posso fazer nada. Johnny falou:

— É impressão minha ou estamos nos aproximando daquela tempestade? — Ele tentava mover o braço para apontar a mancha vermelha que aparecia na tela, mas tinha se esquecido que ainda estávamos sob uma pressão de 7G, era praticamente impossível se mexer lá dentro.

Robert sorriu e complementou:

— Espero que só passemos por perto. Vai dar tudo...

Sua frase foi interrompida por um súbito apagão das luzes e da tela. Os gritos de "o que diabos estava acontecendo?" surgiam de todos os lugares. Por um instante, tudo o que sentíamos eram a força dos trinta e um motores Raptor nos levando ao espaço.

Quando as luzes voltaram, a vibração na nave era muito grande. Muito maior do que aquela que experimentamos no treino. Na tela surgia apenas a imagem do sistema operacional reiniciando. Os pouquíssimos instrumentos analógicos indicavam que estávamos muito inclinados, nossa parábola espiral iria tomar um rumo que, se não fosse corrigido naquele instante, ou a nave iria se desmanchar em pleno voo ou fazer com que todos nós percamos a consciência. Num esforço sobre-humano, alcancei o manche, apertei o botão de ativação dos comandos manuais e puxei o manche o máximo que pude.

Uma explosão de sensações tomava o meu corpo: podia sentir as fibras o meu braço tracionando ao máximo, como se meus braços pudessem ser arrancados do meu corpo a qualquer momento e a minha visão estava ficando turva. Olhei mais uma vez para os instrumentos e fiz uma guinada para o momento oposto ao do desvio. Um som de estalo abafado tomou conta do ambiente. Uma dor lancinante vinha do meu braço esquerdo. Precisava segurar o manche um pouco mais, até saímos da atmosfera.

Quando os sistemas finalmente votaram ao normal, percebi o manche fazendo o restante da correção por conta própria. Uma onda de dor irradiava do meu braço até a nuca. Uma onda de calor subiu dos pés à cabeça e simplesmente apaguei.

5º Dia

Meu braço esquerdo não está cem por cento. A doutora McCoy fez o possível, mas a verdade é que alguns ligamentos do meu braço foram rompidos devido ao esforço descomunal de por a Starship de volta ao seu curso. Ela fez um excelente trabalho, mas não quero gastar todo o medicamento que temos. A vigem ainda vai durar seis meses.

Estamos orbitando a Lua. A vista daqui de cima é maravilhosa. Robert é um ótimo copiloto. Na verdade, com esse problema no meu braço, ele acabou assumindo as funções de piloto da missão.

Gostamos de passar o tempo apontando para os locais onde há quase cem anos os tripulantes da missão Apolo haviam pousado na Lua. Era um bom momento para a nossa convivência, entre as tarefas e verificações constantes, a vista da Terra nascente e do pôr da Terra eram momentos que nos deixavam em êxtase.

É chegada a hora. Não posso exigir que Robert faça isso. Ele é um engenheiro, não um piloto de caça. Temos que reabastecer a nave em pleno voo orbital na lua. Robert tentou fazer a aproximação uma vez ontem, sem sucesso. Sinto em seu olhar a apreensão de ser cobrado a fazer aquilo de novo. Não posso culpa-lo: fazer uma manobra dessas à vinte e um mil quilômetros por hora com o risco de explosão não é para qualquer um. Por mais que tenhamos treinado no simulador, a realidade traz sempre alguma surpresa. No nosso caso, quando estávamos subindo, a Starship foi atingida por um poderosíssimo relâmpago lateral, numa região que fica bem próxima a escotilha por onde sai o ducto de reabastecimento. Daí, acabou que o ducto ficou levemente deformado pela descarga elétrica, ficando um pouco mais torto para a direita. Qualquer erro pode ser fatal, tanto pela explosão quanto pela instabilidade do pareamento, que pode danificar estruturalmente a nossa nave.

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