O Teixo

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     Quanto mais eu adentrava na floresta, mais o clima se tornava frio. Por trás de mim, podia ouvir as vozes das outras garotas chamando meu nome e pedindo para eu retornar ao internato:
     "Foi só uma brincadeira, Ellie! Não sabiamos que iria ficar tão chateada!" - exclamava Katarina em meio a risinhos debochados com as outras garotas que formavam o seu grupinho de megeras, como eram conhecidas.
     "Ellie, volte! É perigoso!" - dizia Samantha com um tom preocupante. - "Não tem a menor graça, Katarina! Dessa vez você foi longe demais."
     "Você e seu sentimentalismo, Sam. Não temos culpa se a Ellie é sensível demais, e foi só um sustinho." - dizia Katarina em tom de deboche.
     "Amarrá-la na cama enquanto dormia e começar a alarmar que havia um incêndio não é um sustinho! Sabe muito bem que os pais dela morreram num incêndio, você não tinha esse direito! - gritava a Samantha, porém Katarina não demonstrava nem um pouco de arrependimento ou apatia.
     A floresta ia ficando cada vez mais congelante, mesmo para o inverno - estava quase insuportável correr por entre os galhos, me esgueirando pelo chão desnivelado, cheio de pedregulhos, raízes, folhas secas e poças de lama por conta da neve derretida. A copa das árvores iam se estreitando e apesar de ser quase 8hrs da manhã, parecia noite e uma neblina estava a se formar. O ar estava se tornando rarefeito, o que dificultava minha respiração. Minhas pernas tremiam tentando fugir desesperadamente daquele lugar, apesar de não ter muitas opções para onde ir; meus olhos marejados das lágrimas que corriam no meu rosto dificultavam ainda mais a visão. Só queria sair daquele lugar.
     O internato ficava num lugar totalmente isolado em meio a uma floresta de pinheiros em algum lugar do Reino Unido; o vilarejo mais próximo ficava a quase meia milha de distância. A voz das meninas iam ficando cada vez mais baixa e distante, o que significava que eu estava bem longe daquele maldito lugar. Meus dedos das mãos estavam congelando e foi quando percebi que estava vestida apenas com meu pijama de gatinhos, sem nenhum tipo de proteção contra o frio. Não tive tempo de pensar em qualquer tipo de vestimenta quando acordei e me vi amarrada em minha cama, com o grupo de megeras gritando "Fogo! Fogo! Saiam todos da cama imediatamente!". Minha colega de quarto, Samantha, também acordou assustada, mas logo percebeu do que se tratava, ajudando-me a tirar as amarras enquanto Katarina e as outras garotas riam.

***

     Olhei para o céu, tentando ver algum vestígio de raio solar, porém a copa dos velhos pinheiros estavam tão densas que era impossível. Me deparei com o que parecia ser uma pequena trilha, formada por alguns degraus tortuosos e cheios de musgo. Decidi ir por ali, meio que tateando o chão. A neblina aumentava e já não conseguia enxergar para onde estava indo. Um vento de arrepiar a espinha passou por mim, o que me deixou atordoada. Caí no chão de terra preta, com a visão turvada. Neste momento, a única coisa que conseguia ouvir era o farfalhar das folhas e água corrente que imaginei ser o riacho do qual a diretora Mercedes havia falado. Ela dizia para nunca atravessá-lo, pois ele delimitava a propriedade do internato. Também ouvira histórias de alunos que ousaram atravessar e jamais retornaram. O que será que havia lá? Estava muito aturdida para pensar em algo. Foi quando meus olhos embaçados e quase se fechando avistaram um grande teixo de galhos retorcidos que aparentava ser centenário se destacando em meio aos pinheiros, do outro lado do riacho. Dele irradiava uma luz verde, como uma grande luminária, porém confortável ao olhar. Com o pouco das forças que me restavam, estendi o braço em direção aquela cena mágica e senti todo o meu corpo formigando.
      De repente, um ser que parecia ser humano com cabelos incrívelmente longos, saiu de traz do teixo. Não consegui destinguir se era homem ou mulher. Sua pele era pálida e irradiava uma luz semelhante a árvore retorcida. O ser deu alguns passos em direção ao riacho e a terra preta fazia destacar seus pés desçalcos e de palidez surreal. Ele estendeu o braço em minha direção. Meus olhos começaram a falhar e se fecharam. Acho que ele estendeu o braço para mim. Eu acho.

Após o RiachoOnde histórias criam vida. Descubra agora