Ellie Carrier

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     Meus olhos e corpo doíam. A sensação era que eu tinha levado uma bela surra. Ainda não havia aberto os olhos, mas a claridade incomodava minhas pálpebras. Fui abrindo os olhos lentamente, tentando fazer com quem eles se acostumassem ao ambiente. Pelo cheiro de medicamentos e antissépticos, eu já sabia que estava na enfermaria. As cores verde enjoo das paredes não ajudavam muito, e o acesso ao soro preso em meu braço dificultava um pouco os meus movimentos. Também haviam vários curativos ao longo dos meus braços e pernas, alguns no rosto, resultado dos galhos que arranharam na minha escapada à floresta. Queria sair logo dali; já não bastava o vexame que tinha dado me esgueirando mata a dentro, o que seria comentário dos internos por um tempo. Levantei-me com cuidado da maca, retirei o acesso a veia no meu braço lentamente e fui em direção ao meu quarto.
     Os corredores estavam desertos. Por quanto tempo eu teria adormecido? Olhei pelas janelas do corredor e já estava escuro, provavelmente já passara da hora de dormir. Samantha, minha colega de quarto, já estava dormindo quando entrei no cômodo. Fiz o menor barulho possível para não acordá-la; olhei para o relógio em formato de coruja que estava sobre meu criado mudo - uma das poucas coisas que consegui salvar do incêndio - eram 1h da manhã. Fui ao banheiro do quarto e fiquei olhando meu reflexo por um bom tempo; como se eu já não fosse estranha o suficiente, - digo, eu tinha um tom de pele bronzeado, resultado da minha antiga casa na Califórnia, que ficava próximo a praia. Meu cabelo, preto e curto num corte chanel; meus olhos eram castanhos com traços esverdeados sob a luz do Sol; não era muito alta, nem muito baixa; meus lábios carnudos, que costumavam estar sempre hidratados, agora estavam ressecados e sem vida.
Na minha antiga escola, eu participava do time feminino de beisebol, - sim, um esporte dito como masculino -, mas eu adorava, o que apontava um bom físico em mim. Além disso, eu costumava andar mais arrumada, por assim dizer: bolsas e roupas de grife faziam parte do meu closet, maquiagem e unhas sempre em dias. Meu cabelo costumava ser ondulado e longo, capaz de provocar inveja a qualquer um que observasse. Tudo isso mudou após o acidente. O que restara de mim, era um rosto cansado, um jeans azul de todo dia com uma camisa moletom, capuz e all-stars com uma mochila nas costas. Fones de ouvido sempre no máximo, para evitar de ouvir as fofocas que insistiam em rolar no grupo da Katarina e suas crias, as megeras.
     Finalmente, deitei na minha cama, apesar de não estar com o mínimo de sono. Tentei pensar no que havia acontecido na floresta; apenas alguns vislumbres e flashes sem conseguir destinguir o que eram exatamente. Lembrei-me do teixo. O que aquela árvore estaria fazendo no meio de uma floresta de pinheiros? Graças as aulas do professor Daniel de biologia, eu aprendi que teixos eram raros, estavam em extinção. Eram árvores sagradas para os celtas - uma antiga civilização que tinham bastante contato com a natureza -, muitas vezes taxados de feiticeiros e bruxos, devido ao poder elementar e curativo que diziam ter. Fiquei intrigada. Comecei a lembrar da luz que irradiava daquela árvore. Será que ela era realmente mágica? Ou estava ficando louca? Bom, não seria nenhuma novidade. Quanto mais eu pensava sobre o acontecido, mais perguntas surgiam. Sei que não poderia contar a ninguém o que acontecera lá. Ninguém acreditaria mesmo... Talvez a Sam. A única que me aguentava todos os dias e puxava conversa sem parar, esperando alguma reação minha. Ela era daquelas geeks que mudavam a cor do cabelo toda semana, sempre antenada a séries e animes. Seu modo de vestir e maquiagem era típico das adolescentes colegiais japonesas; apesar dos olhos dela serem puxados, não tinha nenhuma ligação com os povos asiáticos. Talvez indígena; nunca parei para perguntar de fato, não me interessava muito.
     Comecei pensar na minha antiga vida, antes do incêndio. Era tudo tão perfeito... Meus pais eram advogados bem sucedidos, tínhamos uma bela casa beira-mar, na Califórnia. Eu tinha bastante amigos na escola antiga, festas todos os fins de semana. Tinha até um namorado, o Shawn e minha melhor amiga chamada Tiffany. Logo após o acidente, ainda trocavamos mensagens e cutucadas no Facebook. Mas durou poucos meses e todos os que diziam ser meus amigos se afastaram de mim. Bom, eu estava recomeçando uma nova vida - se é que dá pra chamar desse jeito -, do outro lado do mundo, no Reino Unido.

***

     Liguei meu iPod e comecei a escutar minha playlist de dormir, na esperança dos pensamentos se afastarem. Já havia se passado seis meses desde que eu me mudara. Como tenho apenas 16 anos, a tia Alice tornou-se minha tutora. Era a irmã mais nova do papai, da qual não tínhamos muito contato; a única família que me restara. Ela era médica, logo não tinha muito tempo para me dar atenção; só havia visto ela algumas vezes quando era Natal - por isso optei por um internato, para não dar trabalho e evitar o constrangimento de lidar com uma órfã. Foi uma decisão unânime, e a expressão no rosto dela era inegavelmente de alívio.
     Não sei muito sobre a tia Alice. Ela não era casada, nem tinha filhos. Sei que em algum momento quando eu era criança, ocorreu uma briga entre ela e o papai; desde então, eles se afastaram. Meus avós maternos haviam falecido quando eu ainda era bebê. Mamãe não falava muito sobre, só dizia que estavam bastante doentes. Meus avós paternos curiosamente também morreram num incêndio misterioso quando papai tinha 16 anos. Nunca fui do tipo superticiosa, mas parecia algum tipo de maldição ou sei lá o quê.


Após o RiachoOnde histórias criam vida. Descubra agora