O desprezo era quase palpável quando a voz grave de Inês pronunciou a última palavra com suas mandíbulas trancadas em raiva. Seus dedos apertaram um pouco o papel e seus olhos pareciam fumegar, quem quer que tenha escrito isso sabia como deixar Inês completamente irada. Mesmo sem certeza se deveria perguntar, comecei:
- Irene? Quem é Irene?
- Uma velha inimiga. Você é familiar com a lenda da pisadeira? - Disse séria.
- Desculpe, não - Limitei-me a dizer.
- Ela é associada com a paralisia do sono. Irene aparece no quarto das pessoas e pisa em suas barrigas enquanto estão paralisadas, se alimentando do completo pânico causado nas vítimas. Geralmente, ela vem quando alguém come muito antes de dormir, mas não é regra.
- O "se alimenta do pânico" é literal? Ela se alimenta de uma bolinha preta que sai das pessoas? - Perguntei lembrando dos acontecimentos passados.
- Às vezes pode ser representada dessa maneira. A experiência de cada um com a pisadeira é muito relativa, porque ela é uma entidade que trabalha no limiar entre a consciência e o sono - Vejo uma pergunta se formar rapidamente no cérebro de Inês, revelando-se com um leve franzir de cenho - Mas, como você sabe disso se não conhecia a lenda?
- Acho que ela vem me visitando durante essa semana.
- Posso ver? - As mãos da mulher já se deslocam e tentam pousar levemente em mim sem esperar resposta, contudo, os flashbacks da última vez ainda assombram meus pensamentos e por instinto dou um passo para trás - É mais fácil e rápido eu ver do que você me contar, além de mais exato - Inês tinha um ponto, mesmo não confiando nela o suficiente e não gostando da ideia de ter alguém na minha cabeça, cedi.
- Tudo bem, pode ver.
- Senta aqui no chão, não precisa ter medo - Hesitante, me abaixo e faço o que foi solicitado - Nana neném, que a cuca vem pegar, papai foi à roça, mamãe... - O sono me toma numa velocidade monstruosa, e em poucos segundos, revivo toda a noite de tormentos, a qual se finda finalmente com um suspiro sôfrego de minha garganta, trazendo-me de volta a realidade. - Calma... shh... passou - Sinto as mãos da mulher afagarem meus cabelos levemente enquanto tento controlar a respiração.
- Conseguiu alguma informação? - Digo me afastando e tentando voltar ao modo racional, reviver tudo aquilo definitivamente não foi uma experiência agradável.
- Consegui sim, não foi só Irene que te perturbou, Dante também estava lá. Eles uniram forças novamente.
- Dante? - Pergunto confusa.
- Ele é o bicho papão, um garoto sapeca mas com um coração bom lá no fundo, Irene foi quem o corrompeu.
- E você a aprisionou por isso? - Tentei, lembrando-me da carta.
- Não, não por isso. Ela tava atacando o Tutu todas as noites e estava querendo que nós, seres da noite e do sonho, controlássemos as outras entidades - Um suspiro longo escapa dos lábios da mulher - Tive que prendê-la para proteger os meus. Tutu pediu para que eu não a matasse, não queria sangue em minhas mãos, mas agora me arrependo de não ter o feito quando tive a chance. Ela sozinha não é grande problema mas os dois juntos dão um certo trabalho.
- Bom, esse não é o ponto. Na carta a Irene finaliza com as palavras "tic tac", talvez a gente esteja ficando sem tempo. Você não consegue fazer algum feitiço de localização ou algo assim pra encontrarmos a Camila? - Sugeri, mesmo tendo como base apenas filmes e livros sobre magia.
- Feitiço de localização? - Sua mente parece trabalhar e seu cenho franze levemente - Creio eu que há uma forma de localizar Iara por meio das águas, talvez se estiver chovendo funcione - Seu corpo se move em direção a uma sala - Vem, preciso pegar o grimório certo - Sigo a bruxa ao mesmo tempo que saco o celular e procuro a previsão do tempo.
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Solitária {Marinês}
FanfictionUma inimiga do passado volta a assombrar Inês, agora fragilizada pela perda de seus entes queridos. Apenas com uma certa policial como braço direito, a mulher tentará proteger a Vila Toré e as entidades que restam a todo custo, e em meio a todo o ca...