E naquela noite sombria e solitária uma das empregadas do castelo subira lentamente com a bandeja prateada –aquelas longas e majestosas escadarias do castelo de Kanenokabe – para levar até sua majestade aquele jantar pouco saboroso, uma sopa rala quase tão transparente quanto a água, batatas cozidas e amassadas desacompanhadas de leite ou qualquer tempero que fosse, pois o reino de Hoshi enfrentara uma doença terrível, essa que matou o próprio Rei, a fome se espalhou por todos esses vastos campos, e até mesmo o castelo estava fazendo uma contenção de seus alimentos.A formidável Rainha se alimentara da mesma comida que seus serviçais, atitudes como essas faziam sua popularidade aumentar ainda mais entre as minorias pobres, na mesma proporção que uma das cidades-estados e seu governador tentava a todo custo tirar o poder do clã Sasaki.
Quando a criada ficou diante a porta de madeira rústica – esculpida a mão com o brasão do clã real – um som enigmático penetrou seus ouvidos. Temendo ser punida por quebrar o protocolo do castelo a jovem dama mostrava-se cautelosa, silenciosamente ela apalpou a maçaneta – tão fria que poderia ferir sua mão se já não fosse tão calejada– e foi girando com o máximo de cuidado, se fosse pega adentrando os aposentos reais e colocando em perigo a vida da regente, que se encontrava em isolamento absoluto devido a gestação, na melhor das punições ela seria enforcada em praça pública ou na pior delas, seria obrigada a entrar nua na floresta da ruína.
Ser enforcada era o menor de seus temores.
Quando a porta proporcionou a primeira fresta de luz em seus olhos, a imagem do quarto ficou nítida, havia diversas coisas espalhadas pelo chão. Mas, o incomum foi a permanência de um silêncio enigmático. Cobrindo seu nariz e boca com um pedaço de seu vestido ela abriu um pouco mais.
Um pranto.
O silencioso quarto real estava sendo violado por gritos de agonia – em um ato desesperado ou heroico – a criada sucumbiu ao desejo de ajudar sua amada Rainha, essa que ela acreditava estar em perigo, – aquela mulher daria sua própria vida se necessário, tudo para que sua senhora ficasse bem – desnorteada ela entrou tão de pressa que sua mente confusa não distinguia o choro adulto daquele que ela ouvira.
A cena que sucedeu aquele momento de agonia, era ainda pior, banhada em total desespero, sob a cama a mulher mais importante desse mundo deitada nua e coberta de sangue da cintura para baixo. Aquela cena horripilante era o pior pesadelo de qualquer servo leal. A jovem imediatamente correu para alcançar o corpo frio, quando o tinha em suas mãos ela sentiu a morte entrar em cada parte de seu corpo. Para ela era como tocar o próprio desespero.
Em um balanço constante, o cadáver majestoso da monarca mostrava as marcas de uma rainha forte. Gravada em cada cicatriz presente a história do poder e das traições que forjaram essa nação. Nossa Rainha que um dia provou o amargo gosto da pobreza naquela noite morrera feliz na mais respeitável cama deste mundo.
Gritos. – Tão desesperados que comoveriam até a mais cruel das pessoas – a empregada chamava quem quer que fosse para ressuscitar a sua senhora. Ninguém viria ajudar, o seu grito estava inalcançável e a mesma proteção que deixara a rainha segura, foi a responsável por definir a forma de sua morte. Na torre mais alta do castelo, os 5 andares abaixo estavam fechados e não circulavam quem não tivesse uma autorização.
A criada cuidadosamente colocou o corpo dela de volta – deitada e coberta, passando a mão em seus cabelos loiros de cachos dourados – antes que desse o contorno na cama, ela percebeu os lençóis se mexendo. Quando os puxou rapidamente, aquele choro infantil – que agora pode diferenciar – voltou.
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Ossos & Sangue: Esquadrão corvo
FantasyA guerra que aconteceu a mais de um século instituiu o clã Sasaki como os monarcas do novo mundo. Essa nova concepção fundou o atual Reino de Hoshi, dividido em quatro grandes cidades-estado, a capital de Hoshi é o centro do mundo e a ponte entre an...