Capítulo I: Rowena agora é mais uma das cobras desse mundo.

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            E naquela noite sombria e solitária uma das empregadas do castelo subira lentamente com a bandeja prateada –aquelas longas e majestosas escadarias do castelo de Kanenokabe – para levar até sua majestade aquele jantar pouco saboroso, uma sopa rala quase tão transparente quanto a água, batatas cozidas e amassadas desacompanhadas de leite ou qualquer tempero que fosse, pois o reino de Hoshi enfrentara uma doença terrível, essa que matou o próprio Rei, a fome se espalhou por todos esses vastos campos, e até mesmo o castelo estava fazendo uma contenção de seus alimentos.

          A formidável Rainha se alimentara da mesma comida que seus serviçais, atitudes como essas faziam sua popularidade aumentar ainda mais entre as minorias pobres, na mesma proporção que uma das cidades-estados e seu governador tentava a todo custo tirar o poder do clã Sasaki.

         Quando a criada ficou diante a porta de madeira rústica – esculpida a mão com o brasão do clã real – um som enigmático penetrou seus ouvidos. Temendo ser punida por quebrar o protocolo do castelo a jovem dama mostrava-se cautelosa, silenciosamente ela apalpou a maçaneta – tão fria que poderia ferir sua mão se já não fosse tão calejada– e foi girando com o máximo de cuidado, se fosse pega adentrando os aposentos reais e colocando em perigo a vida da regente, que se encontrava em isolamento absoluto devido a gestação, na melhor das punições ela seria enforcada em praça pública ou na pior delas, seria obrigada a entrar nua na floresta da ruína.

Ser enforcada era o menor de seus temores.

         Quando a porta proporcionou a primeira fresta de luz em seus olhos, a imagem do quarto ficou nítida, havia diversas coisas espalhadas pelo chão. Mas, o incomum foi a permanência de um silêncio enigmático. Cobrindo seu nariz e boca com um pedaço de seu vestido ela abriu um pouco mais.

Um pranto.

         O silencioso quarto real estava sendo violado por gritos de agonia – em um ato desesperado ou heroico – a criada sucumbiu ao desejo de ajudar sua amada Rainha, essa que ela acreditava estar em perigo, – aquela mulher daria sua própria vida se necessário, tudo para que sua senhora ficasse bem – desnorteada ela entrou tão de pressa que sua mente confusa não distinguia o choro adulto daquele que ela ouvira.

          A cena que sucedeu aquele momento de agonia, era ainda pior, banhada em total desespero, sob a cama a mulher mais importante desse mundo deitada nua e coberta de sangue da cintura para baixo. Aquela cena horripilante era o pior pesadelo de qualquer servo leal. A jovem imediatamente correu para alcançar o corpo frio, quando o tinha em suas mãos ela sentiu a morte entrar em cada parte de seu corpo. Para ela era como tocar o próprio desespero.

          Em um balanço constante, o cadáver majestoso da monarca mostrava as marcas de uma rainha forte. Gravada em cada cicatriz presente a história do poder e das traições que forjaram essa nação. Nossa Rainha que um dia provou o amargo gosto da pobreza naquela noite morrera feliz na mais respeitável cama deste mundo.

          Gritos. – Tão desesperados que comoveriam até a mais cruel das pessoas – a empregada chamava quem quer que fosse para ressuscitar a sua senhora. Ninguém viria ajudar, o seu grito estava inalcançável e a mesma proteção que deixara a rainha segura, foi a responsável por definir a forma de sua morte. Na torre mais alta do castelo, os 5 andares abaixo estavam fechados e não circulavam quem não tivesse uma autorização.

         A criada cuidadosamente colocou o corpo dela de volta – deitada e coberta, passando a mão em seus cabelos loiros de cachos dourados – antes que desse o contorno na cama, ela percebeu os lençóis se mexendo. Quando os puxou rapidamente, aquele choro infantil – que agora pode diferenciar – voltou.

Ossos & Sangue: Esquadrão corvoOnde histórias criam vida. Descubra agora