Capítulo II: A fé no mundo cegará a voz da escuridão que queima dentro dela.

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            Estava tão frio naquela noite – era um tipo de frio diferente, daquele que faz doer cada centímetro do seu corpo e alma – assemelhava-se a sensação de ser engolido pela completa escuridão. No meio daquele caminho ermo, os cavalos galopavam temendo o vazio que se aproximava. Os dois encarregados não estavam responsáveis apenas por uma criança qualquer, dentro daquela cabine estava o bem mais precioso para ser entregue em Hebi NoSu – mesmo que as sua presença prenunciasse mais um tormento que solução para aquele Lorde – Hira herdara de seu pai móveis, como a cadeira em que se senta para governar, livros, como os que desperdiça horas folheando na tentativa de ignorar suas obrigações, no entanto, a diplomacia de seu pai uma vez se quer fez parte das ambições daquele jovem.

           Gotas de água chocavam-se contra aquelas capas de couro preto que usavam, o som que inundava mais os ouvidos que a própria água as roupas, fez Rowena desadormecer – mas ela não chorava dentro daquela cabine escura e solitária, mesmo estando ali a quase dois dias inteiros e sendo precariamente alimentada por aqueles dois. Balançava muito, e estava ficando difícil controlar os cavalos, eles temiam ficar naquele lugar, mas pareciam temer mais ainda conforme se aproximavam do reino de Hebi – os cavalos eram capazes de sentir o poder que emanava daquela terra, um poder fundador, um poder baseado em medo e traição. – Enquanto os dois soldados se maravilhavam a sensação de formigamento que eles jamais sentiram em Kanenokabe, era o mesmo poder que assustava dos animais enfeitiçando e controlando os forasteiros.

          As luzes do vilarejo ficaram visíveis poucas horas depois de entrarem no território do clã Hebi, eram as construções externas a muralha, o lar dos clãs mais reclusos de todo o reino. Era especialmente desbravador pisar ali, e os dois rapazes se encheram de prepotência ao perceberem que eram um dos poucos mortais com o privilégio suficiente e concedido pela rainha de pisar sem autorização do Hira naquele reino. A cidade de Hoshi é estupidamente movimentada, a vida noturna é muito comum entre os jovens, e as bebedeiras perambulam por toda a madrugada.
Assim que os cavalos puderam ser vistos naquele breu total, se iniciou os burburinhos, e a patrulha do castelo – provando ser a mais eficiente dentro todas as cidades – surpreendeu os dois rapazes, sorrateiramente cercaram a carroça, se não estivessem assegurados por um selo real, aquela seria a última coisa que veriam na vida.
– Vocês estão bem longe de casa, rapazes. – Afirmou uma figura de capa preta e máscara de cobra, seus olhos azuis eram um lembrete de que estavam bem distantes da capital.

            Hebi NoSu era grande o suficiente para ter vários clãs, mas ainda sim em sua maioria eram subdivisões dos clãs ancestrais, sendo o clã Hebi o mais antigo e de uma linhagem tão pura que era quase sagrada. Nenhum clã daquele lugar tinha parentesco ou laço sanguíneo com os Hebi, então era muito fácil identificá-los entre a multidão, seus cabelos negros, eram um prenuncio da escuridão que traziam aos inimigos, seus olhos negros não permitiam nem avistar a pupila, era como um céu sem estrelas guiando para a morte certa, sua pele pálida muitas vezes tornava visíveis as veias em seus corpos. Para a sorte das pessoas comuns, o clã estava quase extinto, sendo o Lorde Hira o último membro legitimo vivo.
– Deixem-nos passar, fomos enviados pelo palácio. Estamos em missão oficial. – Resmungou do lado direito aquele que guiava os cavalos, enquanto seu amigo ao seu lado olhava em volta percebendo a desvantagem numérica em que estavam.
Os homens encapuzados sorriam, foi uma risada carregada de desprezo. E naquela hora um dos homens percebeu que talvez, só talvez, nem mesmo os ofícios reais assegurariam suas vidas diante as lendas que recaiam sobre a cidade. Eles realmente poderiam ser sádicos assassinos. E nenhum papel ou emblema real mudaria um destino cruel que viria das lâminas dos soldados.

              De forma repentina um homem chegou acompanhado – outro encapuzado, mas esse era bem menor – todos imediatamente pararam de rir e permaneceram em um silencio assustador. – Quem seria tão assustador para causar tamanha façanha, os rapazes acreditaram estar diante do homem cujo nome é o mais temido do reino, o senhor de atos grotescos, o Lorde do castelo.
– Está um pouco tarde para fazer visitas. – Falou o homem, erguendo o rosto, olhos da mesma cor do céu, não era o Hira, apenas um de seus generais. – Senhor Ryoikari, esses homens dizem que foram enviados pela capital em uma missão oficial ordenada pelo palácio. – Disse aproximando em um cavalo preto, como quase todos os cavalos da cidade. – Se estão em missão oficial não tem razão para sermos pouco receptivos, com nossos companheiros. – Puderam respirar tranquilos, foi o que pensaram. – Mas, não é permitida a entrada de forasteiros montados nas muralhas do castelo. – A voz era tão fina e infantil da figura montada no cavalo, mas não poderia ser uma criança naquela hora da noite ou fazendo serviço militar... isso não era normal em Kanenokabe. Mas ali não era a capital.
Os homens voltaram a rir. Todo aquele circo era motivo de graça, se divertiam com o medo que escorria dos olhos mesmo que apenas em suas cabeças.

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⏰ Última atualização: Mar 15, 2021 ⏰

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