Já que Camila estava dormindo, resolvi ir entregar o envelope pela manhã. Olhei pela janela e notei que o carro no Senhor Miller não estava na garagem, no bairro onde moramos não há muros que separam as casas umas das outras, apenas uma pequena cerca de madeira que no máximo impede um guaxinim de invadir nossas casas.
Despedi de mamãe que já se encaminhava até a garagem para ir ao trabalho, desejei boa sorte e dei um beijo em sua bochecha. Peguei o envelope em cima da mesa e fui até a casa dos vizinhos. Admito que quis ir logo pela manhã para tentar descobrir o motivo a briga do casal na noite anterior, claro que não perguntaria diretamente, mas os adultos gostam sempre de falar mais do que devem mesmo, então com certeza Vera dirá algo.
Cheguei até a porta e apertei a campainha, não demorou muito e a senhora Miller atendeu:
— Pois não, o que deseja? — a senhora Miller era mulher bastante elegante, não aparentava ter mais que trinta anos, vestia um lindo vestido amarelo com pequenas flores azuis estampadas, segurava na mão direita, um balde que dentro carregava algumas ferramentas de jardim.
— Bom dia! Sou a sua vizinha, Estela Bianchi. Minha mãe recebeu um envelope no nome do seu marido quando estavam de viagem, parecia ser bem importante, pois o carteiro veio duas vezes tentar entregar então ela achou melhor guardar e entregar assim que voltassem. — ela deu um sorriso de lado e me convidou para entrar.
Ao entrar pela porta, noite que nunca havia percebido que éramos vizinhos da alta classe da cidade. A casa era simplesmente linda, havia aquelas colunas parecidas com os pilares de Grécia na sala, com uma linda escada toda aveludada em tom marsala, pelo cômodo, vários quadros e esculturas espalhadas em cada canto.
— Entre, querida! Fique a vontade. Aceita um chá? — respondi que acabara de tomar café e estava satisfeita, logo ela me convidou para acompanha-la até o jardim onde estava prestes a ir quando toquei a campainha. Se havia descrito a sala como um monumento de Grécia, o jardim era realmente o próprio Jardim Secreto, com flores que nem mesmo saberia nomeá-las. Fomos até um pequeno espaço reservado debaixo de um lindo ipê florido de pétalas amarelas, sua cor favorita. Havia uma mesa com duas cadeiras e um chafariz ao lado. Nunca havia reparado que tinha um pequeno paraíso escondido ao lado de sua janela.
— Como deve ter percebido, estou só em casa e a sua companhia está sendo maravilhosa. Não tenho muito contato com a vizinhança já que viajamos bastante. O trabalho de meu marido no impede de sermos bons vizinhos. — ao dizer aquilo, a minha curiosidade começou a gritar, a genética de mamãe foi forte quanto á isso. Ela sempre foi uma ótima vizinha, sempre ajudava nas mudanças, oferecia ajuda para aguar o jardim e também fazia biscoitos para agradar aqueles mais gentis. Mas tudo tinha seu valor de troca, mesmo sem saber, os vizinhos retribuíam todos esses favores, ao contarem um episódio que, por mais que parecesse simples ou sem interesse, ela sempre transformava em algo valioso a ser contado às suas amigas.
Ao irmos para o jardim, a senhora Miller levara com ela uma bandeja com um bule e duas xicaras de chá, novamente ela me ofereceu e dessa vez resolvi aceitar.
— Nossa, que delícia. De que é esse chá? — mamãe e eu não gostamos muito de chás, somos do time Cafeína.
— É de camomila. Não sei se você sabe, mas ele é maravilhoso contra cólicas menstruais. Mas acho que você ainda não sofre com isso, não é mesmo?
— Quem me dera, já faz seis meses que sofro com isso e sou extremamente grata por ter me apresentado esse chá milagroso. — disse em tom de brincadeira, já que nós mulheres sabemos que qualquer coisa que ajude a parar essa dor é realmente algo milagroso.
— Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem, Estela?
— Tenho quinze, mas faço dezesseis no mês que vem.
Em seguida ao dizer isso, Vera me olhou com espanto, parecia assustada com algo. Resolvi levar aquilo como elogio, afinal, aparento ser bem mais nova do que sou mesmo.
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O Número Cinco
General FictionPara enfrentar a superpopulação no país, o governo é levado a criar um experimento. Indivíduos são selecionados aleatoriamente para conviverem em blocos onde somente quatro membros podem viver em cada um. O objetivo é gerar a consciência de que qual...