Em terras distantes, na noite abafada com quase nenhuma brisa para amenizar a temperatura e nem a lua para dar bons agouros, o Guerreiro caminhava sem destino. A armadura que salvaguardava sua vida, agora parecia ser um fardo muito pesado para ele. Entre amassados, rachaduras e estilhaços de outras coisas presas ao traje, o sangue dos aliados e inimigos era o que mais pesava. A espada e o escudo ficaram em algum lugar quilômetros atrás, juntamente com a mochila, os equipamentos e o tesouro. – É, havia um tesouro... – Pensou com sua mente anuviada e delirante.
O Guerreiro era confiante e nada temia. Já havia se jogado contra os mais terríveis monstros e vencido, viajado para territórios desconhecidos e retornando como conquistador desses lugares, se aprofundado nas mais pérfidas masmorras e enchido os bolsos de riquezas, já havia tomado para si muitos corações, tanto de belas donzelas quanto o de inimigos derrotados. Agora, tudo isso fora lavado em vermelho e apenas ecoavam de forma confusa em sua mente.
Andava embalado pelo chacoalhar e tilintar do metal ritmado por causa dos passos arrastados e dos flashes de memórias que contribuíam para essa melodia com os gritos de "Socorro! " e "Me ajude!" que ele não pode atender. Cada pisada naquela estrada era uma lembrança de sua falha, cada vez que ele cambaleava era um sinal que não voltaria mais ao seu eixo, cada gota do próprio sangue que vertida entra as placas e juntas da armadura era uma hora mais perto da morte, ou mais longe da vida.
Ele não se importava mais. Ele não compreendia mais. Muitas pancadas na cabeça talvez? Ou então as flechas envenenadas? Quem sabe até o pedaço de dente do tamanho de uma ponta de lança perfurando seu abdômen? Na verdade, era impossível distinguir a causa de eu delírio, mas talvez este fosse o momento em que estivesse mais lúcido.
Ele não poderia mais beber até cair com o Bardo, nem flertar e aproveitar a noite com a Ladina, nem zombar do Clérigo, ou admirar quando a Maga conjurava algo de cair o queixo. Era isso, não era? Não, não era. Ele não poderia mais apreciar a companhia e grandes histórias do Bardo, não teria mais oportunidade de declarar seu amor verdadeiro pela Ladina, nem pedir desculpas ao Clérigo e dizer o quanto ele era importante, também não conseguiria aprender com a Maga. Ele não conseguiria arrepender-se de tudo, não dava tempo.
Então seu olhar perdido foi atraído. Uma luz a poucos metros. Uma casa? Muito pequeno. Um acampamento? Muito silencioso. Mas era reconfortante ver uma luz na escuridão. Ele se dirigiu ao encontro dela, revelando uma única fogueira solitária. Sem qualquer coisa ao redor, ali, no meio de uma pequena clareira, estava o fogo reconfortante com a madeira estalando sob seu calor. Não havia sinais de que alguém estivera ali em algum momento, só havia o calor que atraía aqueles que precisavam de acalento.
Ele se sentou perto das chamas e ficou a admirar a dança avermelhada. Parar e respirar, era o que ele precisava. Sua mente começou a desacelerar, diminuindo aquele turbilhão de pensamentos. Seus músculos puderam relaxar, exalando a fadiga que continham. O silêncio vinha bem a calhar no momento. O Guerreiro encontrou um momento de paz tão tranquilo e perfeito que foi assimilado por ele, nem reparou quando a fogueira o acertou em cheio com uma lança, perfurando seu peito com armadura e tudo. Lança? Estava mais para garra, talvez. A segunda e terceira garra perfuraram o outro lado peito e o abdômen, mas não desencadearam a gritaria e desespero que normalmente havia naquela situação.
Trespassado, ele foi levantado conforme a fogueira se erguia, revelando uma criatura alta, com membros finos como hastes, corpo arredondado que mal se diferenciava o que era cabeça, tórax ou apêndices. Nas costas a camuflagem de fogueira ainda ardia. Quantos será que aquela criatura havia atraído daquele jeito? Não importava muito. A bocarra e os dentes já haviam sido revelados. O Guerreiro já sabia, já aceitava. Ele poderia, finalmente, descansar
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Descanse, Guerreiro
FantasyUm Guerreiro com arrependimentos que encontrou o seu fim