Noites frias e agasalhos quentinhos

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A neve tocou o chão como uma despedida

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A neve tocou o chão como uma despedida.

Sempre que ele reaparece tocando as paisagens, sugando as cores, deixando visível o respirar e esfriando a pele, surgiam novas memórias em mim. Elas voltavam como o frio, como os pássaros retornando para casa após migrarem. Olhei para o céu, a Lua brilhou como uma artista e as estrelas como sua plateia naquela noite gelada. A neve caindo como as lágrimas congeladas daqueles fãs do satélite vendo quem admiravam tão de perto, lágrimas eternizadas até ela partir. Memórias que perderiam um pouco da força quando o gelo dissesse até logo e que voltariam com força total com a primeira neve do próximo inverno. De certa forma, as noites frias da estação sempre me traziam de volta para ele. Eu sempre voltava àquela memória bonita como se ela fosse uma flor e eu uma borboleta que chamou aquele jardim de lar.

Quando eu era pequena, na época invernal, a professora nos ensinava a cortar flocos de neve e cada aluno podia pendurar o seu pela sala. Todos aqueles flocos de mesmo corte e mesma forma eram a razão de um festival feito por aqueles mini adultos, como se fossem obras de arte expostas em um museu. De certa forma, nós dois éramos como aqueles flocos gelados.

Na adolescência, eu lembro do que diziam dele.

Lembro-me dos sussurros maldosos sobre como ele era estranho e fechado e problemático. Lembro do meu nome circulando junto ao sussurro sobre o garoto com o cabelo da cor do céu mais puro e sem nuvens, e lembro de me perguntar se ele havia roubado o tom do céu para si ou se o céu lhe dera por notar que ficava melhor no garoto. Lembro de ter ficado tão instigada que terminei com seu nome escrito no fim da página de meu caderno uma vez.

Ainda podia ver o Min Yoongi escrito na borda amarelada.

Relembro de como eu era chamada de estranha e fechada e problemática, como ele. E então de como pensei uma vez que éramos como aqueles flocos de neve feitos de papel, cortados iguais, pendurados iguais, admirados e expostos da mesma maneira, mesmo que na vida real cada um fosse diferente. Consigo recordar do frio, da dor de um coração partido, do café quente nos lábios. Recordo que naquela manhã, a única coisa que eu não poderia sair sem era meu caderno de desenho.

Então relembro de como esqueci o casaco. De como encontrei o garoto floco de neve no ponto de ônibus, de como eu observei a sua palidez, seu cabelo, seu rosto, tão de perto e pensei que se eu houvesse pintado aquele rosto, Da Vinci teria invejado. Seus lábios corados pelo frio destoando da pele tão alva eram como se fossem as pétalas de uma flor nascida em meio a neve, como um broto de esperança quando a terra era infértil.

Cada fio do seu cabelo azul parecia lembrar que o clima era congelante, mas que voltaria ao mais puro calor em breve, que mudaríamos os agasalhos para trajes de banho em pouco tempo,  ele tinha cor de neve e cor de céu estival. Tive vontade de desenhá-lo, de contornar cada linha de seu rosto, de colorir os pequenos olhos escuros brilhantes em uma tela e notar que nada faria jus ao que era pessoalmente.

Ele era o frio, o glacial, o inverno. E era o Sol saindo durante a ausência do calor, esquentando a pele, era um casaco quentinho quando se morria de frio. Era como estar no Ártico e ainda sim sentir calor. Era como estar caminhando sobre o Sol e ainda sim querer mais um agasalho. Ele era um paradoxo, o verdadeiro motivo de eu acreditar que aqueles flocos de neve nunca poderiam ser iguais. Mesmo se cortassem eles de mesma forma, eles eram diferentes.

Eu ofereci um olá naquela noite e, eu e a escuridão, guardamos para sempre o sorriso gengival como uma memória celestial.

Você era o brilho roubado da Lua, Yoongi. Era o brilho dos astros que só podia ser admirado quando estava escuro.

Ele parecia realmente feliz em ter sido visto uma vez, sem os olhares que cobram aluguel, sem ser visto pelos juízes que nunca estudaram para o cargo. Então ele notou que eu sentia frio e me deu seu casaco, um sobretudo caramelo com capuz, e eu aceitei pensando que pela primeira vez alguém conseguia entender aquela garota que por muito tempo pensou que o problema estava nela. Ele me deu seu casaco.

Anos depois descobri que ele odiava o frio.

Éramos iguais e diferentes. Éramos sinônimos. Éramos um paradoxo na mesma frase ou em diferentes parágrafos. E nos entendíamos em qualquer texto que estivéssemos.

Coloquei as mãos no bolso daquele sobretudo que ele me cedeu em uma noite fria como aquela. E a neve, desde aquele dia, sempre me trás ele, na brisa, no tom, na temperatura.

A neve tocou o chão como uma despedida. E como uma promessa de retorno.

- Não precisava ter esperado por mim até essa hora. - A voz dele surge atrás de mim e eu me levanto para observá-lo ali. Real.

O cabelo agora preto, mas o mesmo rosto bonito. A mesma curva dos lábios, os mesmos olhos de antes.

- Eu precisava sim. Esperei 9 meses para te ter de volta da turnê, tudo o que eu mais queria era estar aqui.

Então ele me abraça, o frio e o calor brigando para decidir quem assumiria o controle. Os lábios macios contra os meus, ele está de volta, voltou para mim. Ele sempre voltava.

- Conheço esse casaco - Ele disse segurando meu rosto entre suas mãos como se eu fosse seu grande tesouro assim como ele era o meu.

- Sei que sim - Respondo. - Senti sua falta.

- Eu também senti, amor - Ele diz, doce, e eu sorrio.

- Gosto quando me chama assim. - Ele sorri.

- Sei que sim.

E ele segura minha mão descoberta, as alianças da cor da Lua estão juntas de novo. Olho para o céu enquanto coloco minha cabeça sobre o ombro do garoto que amo tanto e ele me aperta contra seu corpo, então lembro das palavras escritas dentro daqueles anéis, daquelas joias que eram símbolo de uma promessa, de um aceito dito em um altar.

Como a noite e o frio...

Eu sempre volto para você.

- Vamos para a casa, amor.

Flocos de neve - Min YoongiOnde histórias criam vida. Descubra agora