A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra láRoda Viva
Chico Buarque de Hollanda
COM O CORAÇÃO APERTADO, Maria Flor segurava ao máximo as lágrimas de pesar que ansiavam escapar dos seus belos olhos castanhos. A notícia sobre a morte do Manaus caiu como uma bomba sobre a jovem mulher, estragando o resto do dia que mal havia começado e a deixando apreensiva quanto aos perigos que poderia ter corrido quando fugiu de casa.
Da mesma forma que ela, Manaus era uma entidade folclórica que havia deixado de lado parte de sua natureza e estava vivendo entre os humanos normais do Rio de Janeiro. Conhecido em outras épocas como o lendário Boto Cor-de-Rosa, o homem era um boêmio gracioso e galanteador que adorava conquistar as mais belas moças das festas e engravidá-las, sumindo descaradamente em seguida e nunca assumindo a paternidade das crianças. Maria Flor gostava de atormentá-lo dizendo que um dia seria morto por algum corno vingativo ou pai ciumento das desafortunadas que cruzavam o caminho do sedutor. Porém ela nunca acreditou que a morte fosse capaz de alcançar o velho amigo.
Quanto mais próxima Maria estava de casa, mais difícil era para ela manter as lágrimas seguras dentro dos olhos. No instante que tocou a maçaneta da porta e viu-se segura dentro do lar, ela desabou. Lágrimas grossas e pesarosas escorregaram por sua face, caindo em gotas do queixo, o nariz escorria e os soluços altos ressoavam pelo ambiente, chamando a atenção da pequena reunião convocada por Inês para resolver o que fariam a seguir com a notícia fatídica.
— Maria Flor! — Exclamou Inês tomando a dianteira. Suas expressões eram um misto de preocupação com alívio.
— Mãe! — Maria correu até a mãe, abraçando a feiticeira com força enquanto afundava o rosto em seu ombro, chorando copiosamente devido a morte de Manaus. — O Manaus... Ele...
— Ontem a noite. — Disse Inês com pesar, compreendendo o que a jovem mulher estava tentando dizer em meio a soluços. Ela abraçou a mais nova, acariciando sua cabeça do topo até a ponta dos cabelos com ambas as mãos.
— Pensávamos que estivesse com ele — Comentou Camila coçando a nuca com uma das mãos enquanto assistia a cena.
— Aonde você estava? — Perguntou Tutu ríspido, mesmo tentando esconder no tom de voz, ele estava verdadeiramente preocupado com o paradeiro de Maria Flor.
— Vai a merda! — Ordenou Maria Flor enxugando as lágrimas e afastando do abraço da mãe, estava levemente mais calma, porém ainda preocupada e melancólica com o ocorrido. Ela detestava quando Tutu se intrometia em seus assuntos de maneira grosseira.
— Responda o Tutu — Ordenou Inês cruzando os braços na frente do corpo — Ele passou a noite em claro te procurando pela cidade.
— Fui em um local novo, do outro lado da cidade — Respondeu Maria contrariada e quase num sussurro. — Já foi melhor, hein Tutu!
— Me entregue! — Pediu Inês esticando a mão.
— Não sei do que está falando — Resmungou Maria virando o rosto e cruzando os braços.
— Não me obrigue a remexer nos seus bolsos, Maria Flor! — Inês mantinha a mão esticada, movendo os dedos como se chamasse algo. — Agora!
— Bosta! — Reclamou Maria limpando o nariz no antebraço antes de retirar do bolsinho do vestido um pacote pequeno com sal grosso e algumas ervas.
— O que é isso? — Perguntou Camila olhando confusa para a cena.
— Isso.... — Inês desfez o saco de ervas, espalhando os ingredientes em cima da mesa. — É uma simpatia que dona Maria Flor utiliza para o Tutu não achá-la. Sabe o perigo que você correu?
— Eu sei! — Assentiu Maria revirando os olhos, dando razão pela primeira vez para a mãe durante a bronca. — Foi estupidez da minha parte. Mas eu ia saber que um dos nossos seria morto?
— Você não deveria ter saído de casa — Falou Tutu entre os dentes.
— Ai, cale a boca que ninguém está falando com você! — Maria gesticulou para Tutu, ordenando que o mesmo ficasse em silêncio.
— Ele está certo, Maria! — Falou Inês rispidamente — Não adianta ficar brava. Você estava de castigo e, mais uma vez, desobedeceu às minhas ordens.
— Pelo que eu lembro, a senhora não usou a palavra castigo — Maria franziu o cenho — A senhora me mandou subir, mas não disse por quanto tempo deveria ficar lá. Fiquei o quanto meu coração mandou. Aliás, acho que já estou bem grandinha para receber castigos.
— Enquanto estiver embaixo do meu teto e sobre a minha proteção você vai fazer o que eu mandar — Inês apontou para os fundos do estabelecimento — Agora vá para o seu quarto e só saia de lá quando EU chamar.
— Mas... — Maria começou a falar tentando rebater o segundo castigo da semana, porém foi interrompida por Inês.
— Agora, Maria Flor!
— Puta que pariu, viu! — Sussurrou a menina batendo os pés enquanto caminhava para os fundos do bar.
— E sem reclamar! — Gritou Inês ao ouvir os resmungos acompanhados de palavrões da jovem.
— Argh! 'Tá! — Rebateu Maria Flor raivosa.
Durante alguns segundos o grupo ficou em silêncio, somente prestando a atenção nos passos pesados de Maria Flor que ressoavam pelo ambiente através do piso de madeira. Seus descontentamento pelo castigo, mesclado com a tristeza por ter perdido um grande amigo, estavam evidentes em suas ações, principalmente na força utilizada para fechar a porta do quarto.
— Bom! Pelo menos sabemos que ela está viva — Disse Inês suspirando aliviada quando teve certeza de que Maria estava segura no conforto do lar — Ela não pode mais sair desse jeito, não enquanto o que matou Manaus estiver lá fora.
— Sabe que não vai segurá-la por muito tempo — Comentou Camila timidamente. — É a Maria, ela vai querer vingança.
— Vamos deixá-la fora disso. — Falou Inês aproximando da mesa e cheirando as ervas espalhadas — Pelo menos por enquanto! Maria é estourada e impaciente, é muito perigoso para ela se envolver.
— Tudo bem! — Assentiu Camila em concordância — Mas o que faremos agora? Não consegui recuperar o corpo dele.
— Tutu! — Inês olhou na direção do ruivo — Você sabe o que fazer.
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𝐀𝐋𝐕𝐎𝐑𝐀𝐃𝐀 • 𝑪𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒊𝒏𝒗𝒊𝒔𝒊́𝒗𝒆𝒍
Fanfic₊˚✩ ━━━━ 𝑳𝒆𝒏𝒅𝒂𝒔 𝒔𝒂̃𝒐 𝒓𝒆𝒂𝒊𝒔 𝒆 𝒗𝒊𝒗𝒆𝒎 𝒆𝒏𝒕𝒓𝒆 𝒏𝒐́𝒔. Entre os humanos comuns na cidade do Rio de Janeiro, as criaturas folclóricas vivem suas vidas em sigilo e harmonia, aparecendo onde menos se espera. Seja zanzando nas com...