1

42 4 0
                                    

O dia amanheceu sem cor. Até a pintura das casas desbotadas combinava com a neve que caía, o céu se misturava com o resto da paisagem transformando tudo em uma enorme tela em branco.

O relógio marcava quase dez horas da manhã, mas não havia nem sinal de movimento na rua. O silêncio total, a não ser pelo leve soprar do vento, e a ausência de qualquer ser vivente deixava as coisas com um aspecto de fantasia, o ar frio embassava os vidros das janelas e a neblina fazia com a visibilidade fosse quase nula. Os moradores se recolhiam em suas casas procurando agasalhos há muito largados no fundo de seus armários e ligavam para parentes para saber se estavam seguros durante a baixa na temperatura. Alguns relaxavam com diversas camadas de cobertores em seus sofás assistindo algum programa familiar enquanto tomavam uma bebida quentinha. O clima era bom, particularmente, para ler um bom livro em algum canto mais aquecido da casa e desfrutar do silêncio. Também era uma boa desculpa para os casais passarem o dia todo grudados.

Ao contrário dos vizinhos, Seungmin estava se agasalhando para sair de casa.
Em qualquer outro dia ele se juntaria à essas pessoas que aproveitavam o aconchego de suas casas; mas hoje ele se preparava para desbravar o mundo lá fora. 

Com movimentos firmes ele enrolou o cachecol vermelho de sua mãe no pescoço e puxou a touca mais uma vez antes de por os pés na calçada e se remexer com um tremor. Em qualquer outro dia ele estaria em sua cama aproveitando um pouco mais o calor como seus pais o disseram para fazer.

Mas hoje não, hoje ele tinha uma promessa a cumprir.

E, que fique claro, sua determinação não tinha nada a ver com um certo garoto que havia prometido ajudá-lo.

Claro que não.

O garoto trancou a porta de sua casa e correu desajeitado até a que ficava em frente.

A cada passo que dava ele se encolhia com o barulho de seus tênis e se amaldiçoava por não ter colocado um par de botas. Sua figura era como uma quebra na misteriosidade do cenário.

🐢

Ele parou olhando por um instante ao redor, para verificar se tinha algum vizinho debruçado na janela para reclamar de sua rebeldia.

Não tinha ninguém, tudo continuava tão fantasmagórico quanto antes.

Ele encarou a porta de ferro e se aproximou devagar, o metal estava gelado.
Assim como as outras, todas as janelas da casa estavam escuras.

Bateu na porta algumas vezes, fazendo careta para o barulho, e se encolhendo inconscientemente.

Esperou alguns minutos com as mãos nos bolsos do casaco observando a fumaça sair de sua boca ao respirar. A roupa que tinha colocado não esquentava o bastante e o garoto passou a pular de uma perna para outra em uma tentativa de aquecer o corpo.

De onde estava não conseguia enxergar a casa da Sr. Jyun, que ficava a quatro casas rua abaixo.

Respirou fundo batendo na superficie de metal, com força o suficiente para o som ecoar por toda a casa. Ao encostar sua orelha na porta não conseguiu ouvir nada que indicasse que tinha alguém alí dentro.

Seungmin esperou mais um pouco com a esperança de que a porta fosse se abrir a qualquer momento.

Resolveu mandar uma mensagem para Hyunjin. Mesmo sabendo, no fundo, que ele não ia responder ou mesmo ver.

Provavelmente estava dormindo tranquilamente na sua cama quentinha.
Enquanto Seungmin, vigiava sua casa feito um maluco.

Já tinha se virado para ir embora quando ouviu um rangido e uma voz abafada.

— Ei! — Seungmin olhou na direção, depressa, com o coração acelerado e um sorriso no rosto.

A figura na janela apertou os olhos o encarando. Seus cabelos negros estavam completamente encobertos por uma toca e ele esfregava os braços por conta do ar frio que não era barrado pelo casaco de algodão.

— Hoje não é dia de sair de casa! — gritou, apesar de Seungmin não estar tão distante.

O garoto deixou o sorriso morrer tão rápido quanto surgiu.

— Bom dia, Hyung! — Respondeu, aumentando um pouco a voz. — Está tudo bem, eu já vou entrar.

Os dois se despediram depois de mais recomendações do homem dizendo para o garoto se agasalhar direito e tomar uma xícara de chá quando voltasse para casa.

Quando a janela voltou a se fechar, Seungmin olhou por mais alguns instantes para a casa de Hyunjin.

Deu mais uma chance para o garoto, fez uma contagem regressiva mentalmente.

Conforme a contagem ia acabando ele sentiu as pernas gelarem e o peito apertar, seus joelhos doíam.

Antes do um ele já descia a rua novamente, dessa vez seus pés se arrastavam ligeiramente no chão, sem pressa. Pôs as mãos no bolso e saiu chutando pedrinhas soltas.

Não devia ter se animado tanto com a ideia. Mas ele havia jurado que ia estar, acordado e vestido quando Seungmin fosse lá, pronto para lhe acompanhar.

O garoto devia ter percebido antes que era bom demais para ser verdade conseguir que Hyunjin acordasse cedo em um sábado, no inverno, só para ficar com ele,  empacotando um monte de velharias.

Se não tivesse ficado tão entusiasmado teria parado para pensar em como era improvável, mas com aquele garoto Seungmin sempre acabava sendo irracional.

Talvez esse fosse o único problema naquilo tudo. Foi o que ele pensou antes de enxugar os olhos com força e bater na porta da senhora.

Um dia - HYUNMINOnde histórias criam vida. Descubra agora