O que eu mais desejava era descobrir um propósito para a minha vida.
Não precisava ser algo complexo, e, na verdade, a intenção era que não fosse. Perguntei a mim mesma o que poderia ser tão significativo quanto simples. Eu queria uma direção. Uma seta. Uma regra. Algo que eu pudesse seguir, enfim.
O que é que todos os humanos têm que os deixa tão amedrontados da morte? O que temos a perder?
Não é fácil responder. Quer dizer, para muitas pessoas é clara a resposta: a crença em um ser divino que irá salvá-las do sono eterno e livrá-las de toda a dor e sofrimento. Às vezes nem é necessário que dê um jeitinho na morte: basta que não as faça sofrer. O ser divino pode ser o próprio dinheiro, ou até mesmo um grande amor com quem viverão felizes para sempre.
Bem, ao menos elas terão de concordar comigo que nada disso é certo. Ou nunca terão duvidado de seus deuses? Nunca terão ficado sem um tostão no bolso? Quem sabe nunca terão levado um pé na bunda?
Pois é. Nada em que se possa confiar totalmente.
Por que tememos a morte?
Depois de alguns meses refletindo eu estava segura em dizer que o sentir e o conhecer eram aquilo que me fazia prezar por cada suspiro. Ora, que ser humano não sente algo? Que ser humano não conhece algo interessante?
Pois bem. Isso me satisfazia: sentir e saber.
E alguns meses se passaram desde essa conclusão.
E veio a pandemia - já é clichê dizer isso? Foi num momento muito delicado para mim: era o ano do meu vestibular também. A universidade era um sonho. "Era" no passado mesmo. O ideal de conhecimento que eu tinha se tornou muito distante da realidade: aqueles cientistas e filósofos de renome que debatiam o universo e as grandes questões da humanidade se viram impotentes contra os vírus e contra os próprios humanos. É o mundo à beira do caos.
Com tantas mortes, tanta tristeza, tanta impotência, eu decidi me alienar. Não que eu não usasse máscara ou duvidasse do vírus, não me entenda mal! Mas, aos poucos, perdi interesse no mundo e na humanidade. Logo tudo aquilo que me fascinava tanto! Eu queria tanto desbravar os mais antigos livros de História, saber do que era feito o átomo... e como num apagar de uma vela, eu já não tinha mais interesse nisso. Estudei por semanas sabendo que eu não sentia mais nenhum prazer naquilo. Página a página, o vazio que me assolava só cresceu.
Bem, eu considerei manter só a parte do "sentir" no meu lema vital. Mas já não era tão simples assim. De tanto ver lágrimas vertidas nos rostos das pessoas que eu amava, ou até mesmo nos rostos de quem eu não conhecia, questionei até que ponto a faculdade de sentir era boa.
Diante de tanto luto e miséria, passei a não sentir coisa que fosse. Dias e mais dias vivendo no automático, quase como se eu sequer vivesse.
Para quem deixou de sentir, o que é que resta?