um

156 10 0
                                    

Me lembro perfeitamente de quando a vi pela primeira vez, oito anos atrás, gesticulando com as mãos pelo ar enquanto falava sobre algo que, inicialmente, não entendi, por mais que seu tom fosse alto e a maior parte dos alunos presentes na classe estivessem em silêncio para ouvi-la.

Após alguns dias de convivência, comecei a compreender melhor as palavras que usava. Com um português de muitos "r", daqueles que fazem tremer a língua quando você pronuncia, a garota mais tagarela da sala era, também, representante de classe, o que a levava a sempre ter uma desculpa na ponta da língua para questionar tudo e todos. Inclusive a mim que, anos depois, vim a descobrir ter sido um dos questionamentos que mais a intrigou.

"O que fez sua família sair da Austrália para vir morar no fim de mundo de Diamantina?", ela me perguntava com frequência, até o dia que conseguiu arrancar dos meus lábios calados uma versão da história que a agradasse sobre minha mudança.

Mas não a interprete mal, ela amava a cidade. Diamantina era a realização do conto de fadas imaginário de Helena. Sendo palco de alguns dos clássicos literários que, com o passar dos anos, ela me ensinou a amar, era pelas ruas de paralalepipedos antigos que ela gostava de caminhar aos domingos, parando para dar bom dia a todas as senhoras que bisbilhotava a vida alheia na janela, fazendo com que a garota de cabelos castanhos fosse conhecida por muitos.

"Adoro quando chego na casa da minha vó e ela conta sobre os elogios que as velhinhas fizeram a ela sobre mim na ginástica", ela dizia sempre que tinha oportunidade, lembrando o quanto era querida.

Helena se dizia narcisista durante a adolescência, mas eu não concordava; quer dizer, ela sempre foi muito bonita e carismática, de fato, mas não acho que aceitar o que se é seja narcisismo. Era confiança. Mas ela jurava não ter, então eu não discutia, por mais que achasse o discurso um tanto quanto controverso.

Após um ano de convivência nós só conseguimos concordar no fato de que essa amizade só existe por causa da persistência dela e é verdade. Se não fosse pelo seu assumido fascínio por mim, "o australiano com olhos azuis misteriosos" segundo suas próprias palavras, nós jamais teríamos explorado a conexão que temos hoje, pois, apesar de eu a achar interessante desde seu primeiro discurso, sempre fui fechado demais para insistir na presença das pessoas.

Já ela, não se dava por vencida até conquistar o que, ou quem, queria.

Foi assim com o primeiro namorado. O garoto, nos primeiros meses, não se interessava nem em saber o nome do meio dela, mas ela persistiu, até que ele deu a Helena o que ela mais queria.

Me lembro de quando ela me ligou para dizer que a ida ao shopping da cidade vizinha havia dado certo, ela finalmente havia dado o primeiro beijo, assim como me lembro de, pela primeira vez, ter sentido um pouco de ciúme da minha amiga. Ciúme este que guardei no meu coração durante todo o segundo colegial, ano letivo em que tive que a ver desfilar pelos corredores da escola com o presidente do grêmio.

Não era um ciúme de amigo, com certeza não era, pois Helena sempre foi muito fiel às amizades. Ela dizia para quem quisesse ouvir "pra me namorar tem que entender que o Luke vem junto, não abro mão de amizade por namoro"; e não mentiu, porque quando Pedro pediu que ela se afastasse de mim, antes do ano letivo terminar, ela terminou com o garoto, por mais que aquilo lhe custasse um coração inteiro.

"Vou sempre escolher você", ela falava em meio às lágrimas, enquanto o barulho da chuva embalava seus suspiros, deitada em cima do meu peito que seguia o ritmo do balanço da rede da casa de sua avó, depois te ter seu coração partido pela segunda vez em poucos meses.

Aquela casa era o lugar favorito dela e, consequentemente, se tornou o meu.

Nos dias quentes, ela chamava todos os nossos amigos para irem à cachoeira que ficava na enorme propriedade, mas, apesar de gostar da aglomeração e da bagunça, eram as tardes de primavera que realmente a faziam feliz; com Chico Buarque tocando no vinil e cheiro de café coado misturado com pão de queijo no ar, ela e sua avó gostavam de dançar como se estivessem em um baile.

Remeber When || l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora