Policromia

Matizes da Primavera

A efemeridade do tempo não era particularmente difícil de se compreender. Dias transcorrem, meses transcorrem. Verão torna-se Outono, Outono torna-se Inverno, Inverno torna-se Primavera. O calendário marcava a data 26 de março, o que significava que a prestigiada Exposição Primeva da Universidade de Uranohoshi estava por vir.

O indicador de Riko descia pela superfície, levando um tempo que, pela perspectiva da coitada que a acompanhava, podia ser calculado como uma eternidade, e se divagando ainda mais, prensou a ponta do dígito no final da folha, triscando pequenas batidas.

"Sinto te informar, mas encarar o panfleto por minutos seguidos não vai fazer com que as palavras escritas aí desapareçam." a voz de Dia se interpôs, em uma tentativa de subtrair, ao menos um pouco, os batuques da amiga.

A Exposição Primeva, de título autoexplicativo, é um evento mantido a todo ano pelo curso de Artes Visuais, onde os estudantes colocavam à prova suas habilidades, além de engrandecer o nome da universidade. Havia, como um estímulo, a recompensa, a chance de uma arte ser escolhida para exibição em um mural especial, condecorado com holofotes e pódio à mercê. Entretanto, cada estudante lutando pela recompensa teria de seguir uma especificação, tema. Sempre variando, sucessivamente abstrato, e então, o tema escolhido para esse ano foi...

"Mulheres." Um suspiro e Riko desistiu de sua incredulidade. "Assim como ano passado, não tem mais nenhuma descrição, isso quer dizer que não temos limites para as criações, mas aí é que está...O que deveríamos criar?"

"É uma imensidão de possibilidades." A veterana constatou, dando uma breve espiada no folheto também "Mas, infelizmente, não temos todo tempo todo mundo para explorar todas. O prazo é até a segunda semana de Abril, devemos começar a nos preparar desde já."

"Já que está no plural, podemos..." Riko murmurou, demorando para terminar a fala, visto que se encontrava dispersa em várias ideias simultâneas, e ao mesmo tempo...Nada. "Pintar uma multidão de mulheres, talvez?"

"Plural não chega a ser um obstáculo. Lembra do ano passado? O tema foi 'veículos', e You Watanabe, uma caloura, logrou sua recompensa no 'Mural Favorito do Ano' com uma espontânea pintura Óleo sobre tela do navio de sua família."

"Nem me lembre, Dia-san. Até hoje estou embasbacada!" E movimentou-se pela sala praticamente vazia, tirando seu caderno de rascunhos e, desengonçadamente, enfiou na bolsa. Ainda sim, algumas folhas soltas escapuliram e caíram no chão, mas a estudante pouco se importou, ainda concentrada no assunto que martelava mais alto em sua cabeça "Mas tenho que admitir que ela mereceu. Não é só sobre a tela, tem uma história de laços por trás e é... Cativante."

Notando que sua amiga de longa data não deu falta dos papéis, Dia fez a ela o favor de se curvar para recolhê-los. Riko continuou a frisar o final da sentença e a impressão era de que estava em transe, até ela se reavivar, seus olhos se arregalando e ganhando uma veladura* de brilho, sinalizando uma ideia incandescente.

"Que tal procurarmos uma musa?"

Diante do dizer repentino, Dia estreita os olhos, e sem nenhum estímulo voluntário, as sobrancelhas se retraem. Embora fosse a mais experiente entre as duas, passou raspando por Riko a ideia de oferecer uma explicação do conceito, mas logo lembrando que se tratava de sua veterana, apenas esperou pacientemente por uma resposta, que surgiu tão logo quanto empurrou para um abismo suas pretensões.

"Perda de tempo." Foi tudo que disse, seca.

A reação da universitária foi contrária a que a veterana esboçou no embate anterior, os olhos se arregalaram ainda mais e as sobrancelhas se erguem às alturas, um ímpeto em contestar a veterana traceja um caminho até a ponta de sua língua.