MATERIAL DE APOIO - Educação como atividade prático-poiética

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A expressão prático-poiética tenta resolver um falso impasse entre duas possibilidades que, na Ética aNicômaco,  Aristóteles elencou, ao analisar os tipos de atividade humana.


AS ATIVIDADES «POIÉTICAS» 

Há, dizia o filósofo, entre as atividades a que se dedicam os humanos, algumas que têm uma finalidadeobjetiva, finalidade que é possível definir antecipadamente.

E isso porque estas atividades visam sempre uma produção, a produção de algo de bem determinado, sendo chamadas de «poiéticas» – do grego poíesis, que significa fabricar, fazer.

Daí se segue que essas atividades não têm sentido se não atingem este objetivo, se não produzem este resultado que é, aliás, sua única razão de ser – elas não têm,portanto, fim em si mesmas.

E quando, por fim, elas cumprem sua finalidade, realizando seu produto,elas são dadas por encerradas.

 Note-se, assim, que as atividades denominadas de «poiéticas» são aquelas que têm não apenas uma finalidade precisa, mas também um término que pode ser claramente fixado: e assim sendo, elas podem ser avaliadas objetivamente, em função da realização de um «produto» exterior a elas. 

A atividade educacional deve ser compreendida como poiética, na medida em que é necessário que se fixem para ela objetivos comuns e públicos, capazes de fornecer parâmetros para o acompanhamento, a prestação de contas e a avaliação do trabalho realizado. Mas houve uma corrente, bastante difundida nos anos 1970, que proclamava que o êxito do processo educacional dependia quase que inteiramente da fixação de «objetivos instrumentais», isso é, que afirmava que o professor devia ser capaz de traduzir todas as suas finalidades em uma lista de metas bem objetivas e facilmente observáveis.

Aristóteles também identificou, porém, atividades para as quais não se podiam designar fins objetiváveis, já que elas não visam nenhuma finalidade além de seu próprio exercício.

Não se concluindo pela realização de nenhum «produto», não tendo uma finalidade exterior a elas, diz-se que estas atividades têm fim em si mesmas, ou que elas são seu próprio fim.

 Aristóteles as apelidou de «práticas», na medida em que elas são definidas, não por um produto, mas por uma ação – em grego, prâxis. 

As atividades práticas não se concluem forçosamente pela fabricação de um «produto»: isso torna impossível a fixação de um momento preciso e definitivo para seu encerramento, tanto quanto impossibilita qualquer tentativa de se proceder à sua «avaliação objetiva».

Na medida em que se pode dizer que a ação educacional consiste essencialmente na formação, ou na auto-formação humana, cabe defini-la como uma atividade prática: como fixar um fim para a auto-formação, separá-la artificialmente da própria existência? Como avaliar objetivamente uma ação que não tem um «resultado» ou um «efeito» preciso, mas refere-se ao que cada humano é e faz de si?

Examinando os limites da distinção operada por Aristóteles, Cornelius Castoriadis identificou três casos em que ela não parece adequada, todos eles relativos a atividades de formação humana: a política, a educação e a psicanálise.

É fácil verificar o que Castoriadis pretendia, observando a educação, da qual se deve dizer que é tanto uma poíesis quanto uma prâxis.

 Por um lado, sucessivas «objetivações» são necessárias, já a educação se passa entre humanos, que precisam de definições para agir e se comunicar; mas, por outro lado, estas definições têm aqui um caráter não somente limitado, não dando conta de tudo que o processo significa, como provisório, já que elas forçosamente se modificam, ao longo do processo.

O professor não pode perder de vista estes «objetivos limitados e provisórios, mas tampouco pode se fiar inteiramente neles, porque isto seria reduzir a educação a um mero treinamento...

 Tomemos a finalidade mais importante da educação, a construção da autonomia: repare-se que ela se constitui, ao mesmo tempo, no fim a ser buscado e na própria atividade. Em outras palavras, na educação, o processo e o produto, os meios e os fins se confundem, não há como distingui-los inteiramente: por isso cabe defini-la como uma atividade prático-poiética. Na educação, a autonomia é, concomitantemente, o meio para se chegar ao fim e o próprio fimbuscado.

SALA27EDUPED - Filosofia e EducaçãoWhere stories live. Discover now