A barganha.

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Algumas profissões presumem certos privilégios do ofício. Deduções que não se fazem, mas que se constroem com o tempo. Um jogador de cartas sabe quando blefar, mas um bom jogador de cartas sabe quando seu adversário irá blefar. Não se trata de mágica, mas de experiência. Ele começa lendo as expressões faciais do oponente, até entender seus significados em gestos simples como um arqueado de sobrancelha ou um brilho escondido no fundo do olho. Depois ele faz testes, coloca-o em situações complicadas e mede suas reações. Força-o a tomar decisões sob pressão, e quando ele blefa uma, duas ou três vezes, cria-se um padrão. Não é magica, é construção. A questão é que isso vai além da intuição ou do instinto, apesar de se parecer muito com os dois.

Quando se resolve pela primeira vez certa equação matemática, já se sabe seu resultado e isso não é intuição, simplesmente se sabe, pois você já a resolveu. Quanto é um mais um? Você não precisou pensar, o número dois apenas surgiu em sua cabeça, veio de uma cortina que se abriu no silêncio do teatro. Sim, do silêncio de sua oca caixola, pois você não precisou pensar, apenas soube.

Há coisas que simplesmente se sabe fazer, pois já foram feitas diversas vezes. Foram refinadas e construídas a ponto de se executar com primor, sem erros e sem brechas. um jogo no qual o indivíduo é incapaz de perder, pois ele dita as regras.

Pois bem, os saltinhos são seres excepcionais. Sim, seres, pois ser saltilho não está na profissão, mas no sangue, é um tino genético. As palavras que poderiam ousar decifrá-los tangenciam os hiperônimos de ciganismo, prestamista e comerciante juntos. Talvez mais um punhado de adjetivos bastasse, mas estes capturam sua essência. São saltilhos, pois saltam as ilhas voadoras, uma simples justaposição, mas que explica muito sobre seu trabalho. Eles pontilham o mar de vento, os céus por onde navegam, chame como quiser. Fazem favores, compram, vendem e emprestam dinheiro e depois vão embora. Você não sabe quando os verá novamente, mas quando acontecer é bom ter em mãos aquilo que deve. São seres controladores, suas palavras comandam as conversas, suas gestualidades moldam as respostas e suas expressões escondem seus verdadeiros pensamentos.

Para reconhecer um saltilho, primeiro procure nos céus por uma pequena embarcação a velas ou baloeira. Ela deve estar sobrevoando sua ilha ou pousando no cais. Ela deverá ser pequena, surrada e pouco digna. Duvidosa o bastante para não saber se levantará voo novamente, rumo à outra ilha do céu. Depois, dela, descerá um homem ou uma mulher de vestes simples, carregando uma imensa bolsa nas costas, de quase duas vezes seu próprio tamanho e lotada de cacarecos pendurados. Quanto mais velhos melhores serão, ou piores, a depender de sua intenção e do dinheiro que tem. Eles também podem ser jovens o bastante para você subestimá-los e, por isso, serão com certeza os piores de se lidar, mas por culpa sua, que os subestimou.

Para ganhar em uma barganha você precisa de algo como sorte, experiência ou ser um saltilho. Por vezes tudo isso junto.

 Para não perder uma barganha você precisa ter humildade e não os subestimar no primeiro contato, lembre-se que está jogando o jogo deles. Mas não se preocupe se ganhou ou não a barganha, afinal você não saberá. Nos dois casos irá pensar ter feito o melhor dos negócios.

 Agora, caso queira fazer uma barganha justa, pedir um favor em troca de outro ou simplesmente ter uma boa conversa, siga os seguintes passos, agindo como se eles fossem tigres. Se apresente e olhe em seus olhos, mas não muito, não deseja desafiá-los. Não se imponha, não demonstre medo e também não demonstre coragem, pois pode se levar como uma afronta. Não tente ser aquilo que não é, ele já sabe, pois já leu seus trejeitos e escutou suas conversas antes de chegar até ele. Ele o observou escondido, como um predador. Um predador de barganhas.

O saltilhoOnde histórias criam vida. Descubra agora