-Veja. Ele está aqui de novo.
Digo enquanto lustro algumas taças.
-Verdade. Mas não é estranho que ele esteja só?
-Sim. Mas notei que essa semana ele veio só, chegando e saindo, tomando a mesma bebida religiosamente. O outro rapaz não apareceu nenhuma vez.
-Será se houve alguma coisa?
-Não sei. Mas vamos continuar nosso trabalho.
A noite estava mais tranquila. Não havia tanto movimento devido ao frio que fazia. Durante meu serviço observo o rapaz de pele clara e cabelos acastanhados. Ele está com problemas, é visível. Mas o problema é de coração. E acho que sei o motivo.
Não que eu seje bisbilhoteiro. Mas meu trabalho envolve todos os tipos de história. Um simples drink pode revelar vários fatos.
Exemplo: o próprio rapaz sentado no mesmo lugar, tomando uma dose de Devil Springs. O que está fora do habitual devido ao histórico de bebidas que ele consome juntamente com... bem. O outro rapaz.
O outro ponto também, é que este espera por horas. E checar o celular faz parte da rotina.
Esperando.
A vidraça do bar estava ficando fosca pelo frio que fazia.
-Limpe os vidros. Estão ficando embassados.
-Certo.
O local estava ficando cada vez mais vazio. E o rapaz continuava ali. Um gole na bebida, outra olhada no celular. E entre um gesto e outro parecia ser perder em pensamentos.
Me lembro de toda essa história. Começou com uma situação engraçada. Um simples acidente digamos assim.
Um dos garçons esbarrou em um rapaz moreno, que saia da mesa com movimento desengonçado. O desastre de copos de vidro e uma queda envolvendo uma terceira pessoa. Terminou com nossos protagonistas molhados de álcool, no chão. E parecia coisa do destino sobre a forma que eles se olharam. Ignorando as mil desculpas do pobre garçom.
Depois disso passaram a frequentar o bar com certa frequência. O moreno era definitivamente agitado. E o rapaz, que parecia mas novo e emanava uma seriedade bem maior, complementava bem os dois.
Era muito difícil não sorrir vendo-os se aproximarem cada vez mais.
E olhá-lo ali, com o semblante totalmente diferente do que ele mostra na presença do outro rapaz, deixa qualquer um com um nó na garganta.
-Pois não, Senhor. Um instante. Gostaria de gelo?
O movimento cessou por completo depois de um tempo. As poucas mesas ocupadas em sussurros entre as pessoas que as ocupavam.
E ele continuava ali.
Sozinho.
Seu celular deu sinal de que recebera uma ligação. A inquietação por ver quem o ligara deixava claro de quem se tratava.
Limpando o balcão, o observo enquanto ele fala. Seu 'alô' foi dificultoso. E seria modéstia dizer que não senti sua dor. Ele estava triste. E muito. Mesmo que não ouvisse suas palavras pude descrever cada emoção em sua face.
Ele desligou o celular, e levantou-se. Deixou o dinheiro sobre a mesa e, como se exitando, saiu. O sino da porta lhe dando adeus.
Hoje não foi o dia em que se resolveriam.
Bom... foi o que eu pensei.
-Recolha os copos. Vamos fechar.
-Ok.
Me dirijo afora. O vento gélido açoitando a pele. Retiro o cavalete e entro. Volto para o balcão para fechar o caixa.
-Você pode ir. Eu termino aqui. Boa noite.
-Boa noite, até.
O resto era facil: recolher o dinheiro, apagar as luzes, e trancar tudo. Estava terminado a primeira quando a porta anunciou uma nova entrada.
-Desculpe, estamos fechan...
Era ele. O rapaz moreno. O garoto sorridente.
-Desculpe! Eu só...
Sua respiração estava ofegante. De certo correu até aqui o mais rápido que pôde.
-Estou procurando alguém. Achei que ele estaria aqui. Me perdoe. Já vou embora.
O seu rosto mostrava o quão urgente deveria encontrá-lo.
-Espere um pouco. Ele já foi embora. Mas deixou isso aqui. Creio que seja para você.
Um papel foi deixado junto do dinheiro. Fiz questão de recolher para não ser jogado fora por engano. Não me atrevi a ler. Não é do meu feitio. Mas com certeza era bom. Pude ver pelo sorriso e lágrimas que o rapaz moreno mostrou.
-Obrigado. Eu já vou. Me desculpe novamente.
E saiu.
Correndo noite afora.
Apagando as luzes, imagino que, em algum lugar, duas pessoas que se amam estão fazendo as pazes.