{Capítulo único}

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A ANGÚSTIA NOS CORTA AS PALAVRAS.
Mesmo diante disso, Milla caminhava numa noite fria qualquer pela calçada do Central Park, enquanto sentia o vento bagunçar seus cabelos castanhos acima dos ombros.

Em suas mãos, carregava uma caderneta para anotar as pequenas coisas que a inspirasse na criação dos seus poemas; o que fazia apenas quando sentia necessidade de colocar para fora seus confusos sentimentos. Milla escreveria algo lastimoso e malcontente, assim como seus dias, carregados de amargura.

Seus passos eram calmos, pois não tinha pressa e gostava de admirar o lugar que estava vazio, exceto pelos pequenos esquilos que brincavam uns com os outros, os mesmos que sempre ouviam seus prantos sem questionar e os únicos que presenciaram, algumas vezes, a mesma engolir com pesar o mar de lágrimas.
Tudo aquilo era melancólico. Perfeito para escrever sobre sua deprimência.

A jovem sentou-se num banco apartado, e sobre uma árvore retirou os calçados, pondo seus pés na grama recém-cortada. Sentiu cócegas quando o solado fora levemente espetado. Ela sorriu fraco.

Pensou em como a vida era mais cinzenta quando estava mergulhada na solidão e como as pessoas eram sempre tão frágeis e imprevisíveis. Então, folheou algumas páginas, encontrou uma em branco e arriscou as primeiras palavras:

Vida, mas é claro que te amo;
Podes pensar que às vezes tenho tudo para ser feliz;
Mas acontece que sou triste;
E nem sempre a culpa é minha...

Ela pausou o texto e pensou um pouco; nadar na superfície das lembranças já lhe era muito doloroso, imagine como seria afundar-se nelas?
Certamente, essa seria uma reflexão que duraria por mais tempo em sua mente se não fosse interrompida sem aviso por uma desconhecida voz masculina.

Seu coração sobressaltou pelo susto. Automaticamente ela levanta os olhos e o encara. Era um garoto. Aparentemente um pouco mais novo, de olhos curiosos, cabelos levemente penteados e pele morena.

- Oh! Desculpe-me, lhe assustei? - Ele pergunta parecendo preocupado.

- Ah! Não, tudo bem, estava apenas distraída.

Ele sorri com a forma desajeitada de Milla, aproxima-se com sua cadeira de rodas e indaga;

- Me chamo Tomas. Tomas Lewis. Pelo visto vou ter companhia hoje.

Apesar de não o conhecer, a jovem não sente incômodo com sua presença, contudo, continua em silêncio.

- Estaria lhe atrapalhando?

- Não, tudo bem. Meu nome é Milla.

- Milla... Bonito nome. O que estava escrevendo, Milla?

- Nada de mais, apenas algo... Hum... Sem sentido.

- Bom, poucas coisas fazem sentido na vida, é tudo uma grande loucura, não? Posso dar uma olhada?

Sem jeito, Milla entrega o pequeno parágrafo para ele, que lê em voz alta, como se estivesse recitando para uma plateia; coisa que a fez abrir um pequeno sorriso.

- É um verso muito bonito, diga-me, porque se sente assim?

Por um momento, a jovem pensou em inúmeros porquês e motivos, mas decidiu não se aprofundar no assunto. Tinha certeza que o garoto não entenderia, visto que nem a própria conseguia.

- Às vezes tomo algumas notas, só para registrar pensamentos ou sentimentos importantes que me fizeram mudar um pouco por dentro. Uma coisa que poucos são capazes de assimilar.

- Isso se trata de emoções. - Tomas devolve a caderneta. - Suas emoções são como o céu. As nuvens se movimentam, ora o tornando limpo e cintilante, ora o tornando escuro, carregado e até perturbador. Nossos sentimentos são nosso céu. Eles podem sorrir, até mais que os lábios, mas também podem fazer chover; uma chuva que vem da alma. Acredito também que exista um lugar quieto e estrelado dentro de cada um, construído em meio às sombras e luzes, coberto por névoa densa. Nesse local, há uma lua distante, que às vezes conseguimos alcançar com as mãos, mesmo estando longe. Lá, todos os sentimentos são criados, nascem e vivem ali, e o reflexo desses sentimentos estão fora de nós. Na pele, nos sorrisos e olhares, nos gestos e nas palavras. Olhe com atenção para sua vida e veja tudo de bom que existe. Pois, o problema é que muitas vezes só focamos no negativo ou no que nunca aconteceu. Eu suponho que você está refletida nesse verso que escreveu. Precisamos nos fortalecer e conhecer um pouco mais da vida e do mundo em que vivemos em cada queda, na verdade, você sempre vai cair mais uma vez, só tente não se machucar muito ou não ralar os joelhos. Os pequenos acontecimentos diários, são os que tornam a vida espetacular. Procure sorrir sempre, mesmo diante dos problemas e não se envergonhe das lágrimas diante da necessidade.

Calada, Milla somente absorve de olhos surpresos tudo que o garoto acaba de dizer. Foi naquele instante, em que ficaram no mais completo silêncio, que ela soube que ele a entendia.
A jovem continua sem reação por tempo despercebido, até que ele sorri; apenas sorri.

Ficaram ali alguns instantes, ambos retribuindo olhares. Após ouvir tudo aquilo, Milla sentiu uma enorme sensação de paz ao fita-lo em silêncio, era como se ele ainda continuasse falando, mesmo sem dizer uma palavra sequer.

Até que repentinamente, Tomas se despede. Milla não queria que ele fosse embora, mas não poderia impedi-lo. Enquanto observava o rapaz se afastar, Milla olha para sua caderneta outra vez, afim de arrancar a página e amassá-la, mas se assusta quando não encontra as letras que escreveu minutos atrás.

Estava vazio.

Mecanicamente, Milla direciona seus olhos novamente para onde o garoto seguia, e como se nunca tivesse ali, ele desapareceu. Ainda confusa, ela olha o relógio que marcava nove e meia da noite, então, após calçar os pés, a jovem decidiu caminhar de volta para casa, sentindo um misto de sensações. Aquilo era algo extremamente estranho.

Ao chegar em casa, Milla se joga sobre a cama e fecha os olhos. Nada daquilo fazia sentido, mas as únicas coisas que conseguia pensar eram nas nuvens, em um lugar quieto e estrelado.

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Lugar Estrelado [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora