Escuridão e luz. Dia e Noite. Humanos e Férricos. O mundo sempre foi assim, girado por dois opostos que mantem o equilíbrio dês de que a primeira vida pisou nessa terra, a humanidade nunca gostou de mudanças e isso foi comprovado quando férricos chegaram ao mundo. Seres de capacidades maiores do que qualquer humano poderia ter e como previsto causaram uma grande mudança.
Caos tomou conta das terras por longos anos quando os férricos dominavam cada pedaço do planeta com sangue e cinzas cobrindo seus passos apagando a ideia que essa hera pudesse ter um fim, mas quando a raça humana se uniu as coisas começaram a mudar. Mais terras começaram a ser tomadas e os férricos começaram a ser enfrentados mais vezes.
Depois de mais anos de conflitos um equilíbrio foi encontrado, quatro grandes líderes humanos que se uniram para um contrato de paz entre eles e férricos. O mundo seria dividido para que todos tenham seu espaço contanto nenhum deles pisaria em território inimigo, mas uma demanda foi feita. Eles dariam um item magico para que tenham proteção ganhando uma joia tão simples que acharam ser falsa, mas quando um dos maiores líderes tentou encostar em um dos reis humanos uma barreira em forma de floresta os dividiu em dois dando para a humanidade uma fonte de proteção poderosa e precisa.
A raça humana foi dividida em quatro grandes reinos que com o tempo foram dominados pelos pequenos resquícios que a magia apresentava em seus corpos. Protetores, pensadores, guerreiros, domadores . Foi como a sociedade foi dividida.
E na noite mais fria de inverno nasceu uma princesa de luz em um lugar que estava destinado a destruição.
***
O pôr do Sol dominando a larga e única janela existente no quarto que eu passava a maior parte do tempo, olhar aquela vista simples me fazia pensar o quão hesitante poderia ser. Sentindo o final do vestido azul em meus tornozelos percebia a sensação das algemas em meus pulsos, ferro e alguma pedra roxa para disfarçar ser algum aprisionamento. Por toda vida tive essas coisas ao meu redor.
No olhar dos outros, meu trabalho é servir cada pedaço de terra existente, cada pequeno território que dizem um dia me pertencer. Para olhares desconhecidos eu sou a realeza jovem que se fechou nas paredes de um longo e distante lugar, mas para os conhecidos eu posso dizer com certeza que isso não é nada.
São apenas palavras que não sabem a realidade.
--- Pronta?
O ranger silencioso da porta acompanhou aquela voz conhecida para meus ouvidos, uma moça de cabelos escuros e olhos pincelados com dourado. Usando seu uniforme e luvas Brina poderia ser facilmente confundida com um general, mas ela era somente uma empregada rígida e pontual.
--- O de sempre Brina --- Era fácil lembrar do tempo que eu tinha em sua companhia. De manhã muito cedo e quando a noite começava a chegar, Brina seguia cada passo que eu dava sabendo qual seria o caminho que tomava.
--- Está na hora --- Três simples palavras para me fazerem levantar da cama em que estava sentada.
O quarto em que eu passava todos os dias era simples, mas confortável o suficiente para se viver. Uma cama, um armário um pouco grande junto com uma penteadeira e uma única janela que conseguia tomar uma boa parte da parede. Meus dias se resumiam em olhar para diante daquela fenda e pensar no que se escondia nas terras em que não conseguia enxergar.
A passos lentos fiquei de frente a mulher que me esperava na porta ajeitando uma parte dobrada da luva. Sem uma palavra entre nós Brina começou a andar pelo caminho que com o passar dos anos havia decorado. Nesse tempo eu poderia ver o pouco do mundo que me cercava. Uma cidade não muito longe e uma longa extensão de colina e aquele belíssimo jardim que cercava as janelas e uma parte de minha atenção.
Nenhuma pessoa por perto, ninguém além da mulher em minha frente.
O ar que saiu de sua boca foi pesado o suficiente para fazer aquelas pulseiras em meus pulsos apertarem minha pele.
--- Não vai responder minhas perguntas, não é? --- A mulher era a pessoa que passava a maior parte do tempo e minhas perguntas a rodeavam como um bando em caça. A esperança que corria em meu sangue era pouca, mas não para me deixar.
Minha única resposta foi um suspiro breve acompanhado de um aceno com a cabeça concordando com minha pergunta. Brina nunca respondia minhas perguntas e quando conseguia arrancar algumas coisas ela se calava como se tudo fosse inútil, e para ela devia ser.
uma pintura com uma moldura dourada chamou minha atenção , o desenho era um campo ensolarado coberto de flores de todas as cores fazendo um belo arco-íris que entre ele havia uma garota de vestido branco junto com um chapéu de verão claramente feito de palha com uma fita branca formando um laço em volta, a garota estava de costas para a pintura com o vento querendo levar o chapéu de seu agarre, mesmo não vendo o rosto dela conseguia sentir que estava feliz e sorrindo, por dentro do verde podia ver algumas letras escondidas. Uma assinatura escondida.
Boldwari era o que estava escrito, meu sobrenome estava escrito em uma pintura.
Erika Boldwar esse é meu nome.
Um resquício de um passado que não conseguia recordar.
--- Chegamos --- A postura perfeita combinada com seu olhar afiado me esperavam de frente a aquela porta de madeira, o final de minha pequena caminhada.
Parada de frente a aquela porta de madeira eu poderia imaginar que algo bom me esperava, mas nada de bom pode vir quando te colocam nos últimos andares. Quando te prendem em sombras e algemas.
--- Sem estragos --- suas palavras eram frias e duras mesmo que não costumava me alertar sobre as coisas, mas ela tinha me visto ler o sobrenome na pintura. Ela sabia que mais perguntas surgiam na minha cabeça.
Duas pessoas sentadas na ponta da larga mesa que eu mal via ao dia, meu pai de cabelos castanhos escuros que com a barba da mesma cor se unindo com a linha de seu rosto levemente bronzeado. As roupas de cores quentes chamavam mais atenção do que os ornamentos da sala enquanto passava meu olhar pela mulher em sua frente. Os cabelos loiros deslizando por seu ombro em uma trança frouxa com seu vestido verde que combinava com seus olhos verde claro.
--- Bom dia pai e mãe --- Disse com a voz um pouco riscada, não tinha bebido nada por toda a tarde parecia que estava com a garganta em resquícios.
Nenhuma resposta.
--- Se me derem a permissão --- abaixei a cabeça andando em direção a meu lugar na mesa olhando para o prato intocado e a taça cheia em minha frente, a porcelana com comida o suficiente para passar por aquela noite. Um pouco de carne e massa esperando para serem devorados, mas por algum motivo eu só tinha sede. Muita sede.
Não levou muito tempo para que eu virasse a bebida goela a baixo deixando a leveza passar por minha garganta me forçando a levar algumas garfadas até a boca. Com o tempo meu corpo se acostumou a sempre ter pouco me dizem que é para meu bem-estar por dentro desse lugar e usar essas pulseiras.
Fazemos isso por seu próprio bem.
Que mentira.
--- Porque tem uma pintura com nosso sobrenome? --- encarava o prato de meu pai que estava pela metade quando perguntei jogando as mangas para trás.
O silencio que tomou conta da sala era incomodador e desconfortável enquanto a mulher pegava os talheres de prata, o vermelho de suas unhas era recente e ainda reluzia contra a leve luz que conseguia chegar até suas mãos quase tampadas pelas mangas
--- Havia artistas em nossa família? --- perguntei breve e suave ainda olhando para o prato de comida agora intocável pelos talhes.
--- Não mais --- Escutei sua voz pesada dizer enquanto tomava um gole de sua bebida quase da mesma cor que suas roupas
--- Então porque tem um quadro com o sobrenome da família no castelo? ---minhas palavras foram como uma flecha sem alvo --- hoje enquanto vinha para cá vi um quadro muito bonito com o sobrenome muito bem escondido, porque tinha nosso sobrenome se não existe mais pintores na família? --- Escutei um suspiro pesado enquanto deitava o garfo sobre a mesa
--- A muito tempo em nossa linhagem havia muitos artistas porem não teve muito reconhecimento e acabaram reprimindo as tentativas de arte, e com o tempo isso acabou sumindo na família--- A mulher havia respondido em seu lugar que colocava a mão com calma em seu ombro podendo sentir seus músculos se contraírem--- nada que tivesse importância
Mesmo ela dizendo que não era nada importante pude ver pela expressão de meu pai que aquilo não era verdade, seus olhos ainda comportavam algo mesmo que não parecesse e seu rosto continuasse ilegível. Allerick podia ser rígido como madeira e forte a suas visões porem ele sempre teve uma ira que nunca poderia ser abatida.
Rei de forças
Esse era seu nome.
Allerick governante de um reino pacifico de acolhedor, contudo quem representava cada pedaço dessa terra era Annelise minha mãe. Tudo que ela comportava era simplesmente delicado e amável, Annelise era uma flor que nunca murcharia. Queria eu poder ser assim.
A noite chegava na mansão sem demora alguma era de se esperar que eu voltaria para dentro das paredes do quarto sendo acompanhada por sombras e histórias que nunca acontecerão.
***
Andar pela mansão quando a noite tomava conta do mundo era como pensar que todos estavam em um longo sono e o silencio era conduzido pela brisa fina e calma, Brina caminhava ao meu lado podendo mesmo sentir o calor que era acumulado em suas roupas devido ao que ela guardava em suas veias. A mulher tinha um dom para poder me acompanhar, em seu corpo tinha fogo. Muito fogo.
Nossos passos eram o que preenchiam o silencio mortal em nossa volta, nem uma alma viva para dar um ar de normalidade. Para mim todos mostram que o mundo é um lugar vazio de pessoas excluindo algo importante que eu deveria saber, vivi presa naquele quarto com somente essa história para ser meu apego do que era essa terra agora.
Pensar que eu poderia ter alguma chance de viver era como ler um livro de fantasia e pensar que tudo seria real, a única coisa que me acompanha a todo momento são essas pulseiras. Pedrinhas que me dão a noção de ainda continuar a perguntar todo dia e pensar que teria alguma chance, contudo é fácil saber que essa esperança está próxima a desaparecer.
Não tenho nenhum serviço para as terras que dizem que um dia vou possuir, no começo de minhas memorias ouvia pessoas dizerem que eu um dia teria que tomar conta de todos uma hora. Que esse destino era meu, mas não entendi o motivo por todos os meus dezoito anos muito menos agora.
Meu. O que deveria ser meu?
As sombras cobriam cada flor que eu tentava diferenciar pela janela enquanto batia as pequenas pedras umas contra as outras, nunca as tirei em momento algum na minha vida depois do ocorrido em minha infância. Jamais ousei sair da bolha depois disso. Ouvi Annelise falar que as pedras em meus pulsos eram ametistas que combinavam com as cores que eu costumava usar, dizem que significa proteção. Para meu próprio bem.
O estalo em meu rosto fez com que eu voltasse a realidade vendo que estávamos chegando no fim da pouca caminhada que tive pelo fim do dia, a porta de madeira do meu quarto estava a espera enquanto o estalar das pedras faziam um som agudo o suficiente para poder ser mais alto que os passos de Brina fria como rocha.
De seu cinto uma argola de chaves foi tirada que abriu a passagem para dentro de meu quarto, tinha descoberto que a mulher guardava as chaves com ela fazia alguns anos e quando tentei saber mais sobre as sombras de meu passado o que eu tive que pagar não foi pouco. Sofrer pelo que não pode conseguir, assim que me ensinaram.
Passei pela porta encarando a lua cheia que era a maior iluminação do quarto:
--- obrigada Brina por sua companhia --- Disse sem me virar sabendo que sua reação sempre seria a mesma de todas, seus olhos frios encarando o vazio dos meus até fechar a porta em minha frente.
A única resposta que obtive foi o som da porta se fechando e a fechadura se trancando.
Em cima da escrivaninha uma pequena pilha de roupas claras e escuras, parte para minha noite e outra para o dia seguinte. São poucos os dias que me dão branco para vestir, poucos dias que há algo importante para me darem algo mais detalhado e bonito. Emaranhei o tecido em meus dedos chegando a colocá-lo contra meu peito para sentir a macies que eu sempre sinto falta me conduzindo ao banheiro.
O outro cômodo era simples apenas paredes de azulejo e uma banheira larga no centro com também uma janela para eu poder o ambiente a frente, nenhuma cidade ou pessoas para dar vida a aquele lugar. Era somente um grande silencio e as montanhas muito distantes.
Não tinha desejo nenhum de me afundar nessa hora. Algo mais me esperava agora.
Tirar aquele vestido de meu corpo me fez passar por cicatrizes em meu corpo, marcas de couro e vermelhidões por toda parte. Custos dos meus erros que tive que pagar. A maioria da outra roupa os deixava à mostra, mas quando os cobria com a capa preta de veludo tudo sumia e eu me tornava irreconhecível nas sombras. Deixava meus erros desaparecidos pela noite.
Um relincho soando em meus ouvidos fez com que algo acendesse em meu peito, James tinha chegado. Andando de volta para a janela tomava o cuidado para não parecer animada. Para não mostrar a animação que tinha quando esse momento chegava. Quando eu poderia por uma noite ser livre.
Por de trás da penteadeira uma passagem escondida na pintura já antiga, uma porta que quando aberta eu poderia escapar por uma noite sem ser vista por ninguém. Segurando uma vela que sempre deixava na ponta do espelho descia degrau por degrau não temendo que me escutassem a esse ponto.
No final do caminho abri a outra porta escondida para encontrar Destiny uma égua albina com seu pelo claro junto com Beron o cavalo de James, ele era escuro com manchas brancas em algumas partes de seus cascos. Entre os dois estava James que segurava as duas rédeas enquanto tirava o capuz para dar um pouco de ar para seus cabelos ruivos.
Seus cabelos alaranjados tinham um toque de dourado quando a luz do sol tocava neles e eu poderia pensar que o ruivo era atraente com sua pele dourada e seus olhos caramelo que eram segurados pelas poucas manchinhas que portava em suas bochechas.
--- Pronta? --- A mesma pergunta que ele fazia toda noite antes de subirmos nos cavalos e passar pelo mesmo caminho por toda a noite e minha resposta era sempre a mesma.
Acenei positivamente antes de pegar uma das rédeas e subir na sela.
--- Parece um pouco fora da cachola hoje, alguma coisa nova? --- Sua pergunta foi calma me olhando já na sela, o ruivo sempre se mantinha calmo ao conversar comigo ele era a única pessoa que eu conseguia contar nesse mundo além de minha mãe.
--- Um vestido novo, mais bonito que os outros que já me deram --- Ver o sorriso em seu rosto enquanto dizia foi algo que fez meus punhos afrouxarem o agarre nas rédeas.
--- Uma coisa boa está vindo então --- Disse antes de bater o couro e começar a cavalgar.
Com nossa calma viagem a visão era um pouco da distante cidade e uma longa área de pinheiros que pareciam ter sido deixadas de lado, uma grande parte de terras que poderiam usar e não faziam nada. Mesmo parecendo ser inofensiva eu sabia que tinha algo perigoso além delas.
Uma proteção para ambos os lados, mas isso era algo antigo o suficiente para não ser verdade.
--- Tire o capuz, já não tem problema estamos longe de lá --- James já não usava mais o tecido em sua cabeça e continuava a incentivar a eu fazer o mesmo. Podia sentir algo em meu peito dizer que tudo estava bem e eu aceitei seguir.
Sentir o vento nos cachos soltos de meus cabelos foi como tirar um longo peso de meus ombros, minha cabeça poderia estar leve, mas o peso em meus pulsos continuava o mesmo. Continuava a me lembrar que eu não estava livre, que eu não estaria por muito tempo.
--- O que acha que pode ser? --- O ruivo perguntou me vendo olhar para cima como se eu suplicasse por alguma coisa que eu nem sabia.
--- Pode ser outro evento para eu ser a princesa perfeita e conhecer alguém importante que não faz nenhuma diferença na minha vida --- disse olhando para os céus querendo que escutassem meu sussurro cuspido, sempre me diziam que eu tinha algo importante. Que eu devia me cobrir com uma farsa importância e mostrar orgulho dela.
Mas eu não tinha orgulho das minhas algemas, não sabia nem o motivo para usa-las eu nem tinha algo perigoso para alarmar. Todos tinham alguma coisa que os faziam diferentes, algo que os faziam especiais.
Contudo o que eu tinha era um vazio infinito, infinitamente insignificante.
--- Pode ser alguma coisa boa. --- O ruivo insistia em algo que não poderia acontecer, um otimismo que chegava a me irritar --- Pode ser algo mais sobre seu passado isso é importante também.
--- Sendo sincera isso não faria diferença --- Meus dedos se prendiam as redes enquanto falava --- Vou continuar dessa forma de qualquer jeito e James eles não dariam essa chance para mim. Nunca.
James sabia mais do que eu em muitas coisas o que me dava certeza era o uniforme que usava, tanto ele quanto Brina trabalhavam no reino. O ruivo participava da guarda e me encontrava a noite para me dar um pouco da liberdade que eu tanto desejo, não chegávamos muito perto da cidade e nem das pessoas na mansão e ele sabia que eu não tinha importância para ninguém daquele lugar.
Já tinha sido esquecida a muito tempo.
Seu silencio foi mais mortal que minhas palavras mesmo que eu não quisesse.
Fui seguindo James enquanto chegávamos perto o suficiente para ver as luzes da cidade, não ousaria chegar perto, mas conseguia sentir o calor acolhedor que meu corpo ansiava prender em meus braços. Escutava alguma voz me dizer para entrar em cada rua e poder ver como era a vida dessas pessoas. Ver alguma coisa boa em minha vida.
Fiquei quieta boa parte do tempo apenas vendo as luzes das casas, Destiny e Beron estavam um do lado do outro como eu estava com o ruivo que deitou uma das mãos em meu ombro vendo como eu almejava isso. Como eu desejava saber como era essa sensação, de estar em casa.
Segredos que nunca devem ser revelados.
Essas palavras rondavam minha mente, segredos que jamais estariam em meus ouvidos. Peças que eu não teria a chance de tocar. Os dedos calorosos em meu ombro me fizeram olhar para ele enquanto encarava o céu com poucas estrelas, nada iluminava aqueles cabelos ruivos nem seus olhos. James caçava alguma coisa dentro de mim, algo que já tiraram de mim com couro e ferro.
As algemas de pedras preciosas me lembravam disso a cada respiro.
Sabia que ele não conseguia disfarçar suas emoções com facilidade conseguindo ver a preocupação desenhada em seu rosto e o peso de ver que suas esperanças foram sucumbidas a nada como as minhas foram.
Herdeira de sangue nobre, mas feita como nada. Transformada em nada. Eu era nada e sempre serei o que quiserem que eu seja, um fantasma pelas paredes da mansão ou uma princesa perfeita e doce não me importava mais. Nada mais tinha importância.
Não conseguia respirar direito minha garganta doía como se algo estivesse rasgando as paredes de meu pescoço, como se puxasse as palavras de volta para o fundo de meu peito e afundasse junto com elas. Isso doí, sempre dói.
--- Podemos passar por perto da floresta? --- Perguntei ainda sentindo que perderia minha garganta
--- Claro --- Uma resposta breve, James também não conseguia responder direito.
Com um bater de rédeas os cavalos voltaram a andar indo em direção as beiras da floresta chegando perto o suficiente para poder ver o breu que se esconde por entre a madeira, a algumas pessoas que dizem que essa floresta tem segredos audaciosos e que se descobrisse teria seu final julgado pela lamina. Uma história para crianças não entrarem.
Chegando cada vez mais perto podia sentir algo querendo me puxar para dentro do breu como uma linha fina e frouxa amarrada em meu estomago, segurava no couro como se ele pudesse me manter de pé vendo como o ruivo ia na frente acariciando a pelagem de Beron.
Eles merecem melhor, pensei tentando afastar aquela sensação de minha cabeça.
Mas eu não conseguia descartar aqueles puxões em meu corpo, ela continuava conseguindo conquistar minha atenção em cada pequeno detalhe. Destiny bateu um dos cascos no chão parando em frente ao escuro que me chamava.
Não era uma voz como os contos dizem ser, era uma sensação que não conseguia entender há anos não sentia nada além de vazio.
--- Quem está aí? --- Sussurrei para dentro das arvores com a voz por uns tris, podia sentir que algo mais estava ali.
Prensei as rédeas contra meus dedos vendo o quão estava sendo estupida, eu não via nada. Não tinha nada. Contudo antes mesmo de mandar a égua continuar seu curso uma ventania leve e carinhosa passou por meu rosto como um toque que tinha me esquecido a sensação, era bom.
Uma rosa azul, uma simples rosa azul caída no chão.
Desci de Destiny pegando aquela planta delicada em meus dedos, ela estava inteira e a perfeição parecendo com as rosas normais que via pela janela. O azul era forte e macio em meus dedos como caricias em pele, não ferro ou couro, mas algo que não me machucaria. Eu acho.
Meus lábios se moveram para cima, uma linha fina que James notou facilmente.
--- Que bonita --- O ruivo chegou perto com Beron encarando a planta entre meus dedos sorrindo logo depois, um sorriso largo e radiante --- Finalmente alguma coisa te fez sorrir.
Ele tinha razão, nenhuma outra coisa me fez sorrir de verdade. Tinha aprendido a desenhar um sorriso convincente para que não tivesse mais lembranças espalhadas em meu corpo como gosto de chama-las. Para não ter que lembrar todo momento do que estava passando, da dor que estava sentindo.
--- Leve
Encarei ele com a surpresa escondida em meu rosto.
--- Leve ela com você, acho que vai ser uma boa lembrança --- Disse ele enrolando as rédeas em suas mãos --- Uma lembrança boa dessa vez.
Não respondi quando ele se afastou com o cavalo para eu poder subir na sela e encarar novamente adentro a floresta, de novo a mesma sensação. O que estava me puxando queria que eu fosse, que eu entrasse e descobrisse o que essa cosia era. Queria que o achasse, mas o estalo de James em meu rosto me fez acordar do transe que estava entrando.
--- O sol já vai nascer --- Uma lembrança que a ampulheta voltava a girar e que eu tinha que voltar, queria que esse tempo parasse.
A noite eu poderia viver o quanto quisesse por essas terras e não teria punição, poderia ser livre e esquecer por um tempo o que eu tinha me tornado. Poderia ter ar em meus pulmões. Essas fugas que me mantinham viva.
Ignorei por um tempo jogando meu silencio nele como um dardo.
Peguei todo o ar que podia preenchendo meus pulmões enquanto cobria meu rosto novamente com o capuz percebendo o ruivo fazer o mesmo. Procurava com a pouca visão que tinha de dentro das arvores o que me chamava.
Você está me vendo, eu sei disso.
Poderia estar presa em um destino que não queria, poderia ser prisioneira eterna de uma corte e ter que me vestir de algo que eu não era para me manter viva. Mas a única coisa que eu não era é idiota.
E com a faísca de meus pensamentos uma centelha respondeu meu chamado. A silhueta de um corpo, uma silhueta misteriosa e majestosa deixando nítido apenas os olhos, um azul escuro e vivido como se não precisasse de luz para se iluminarem.
Ousei dar um passo a dentro da floresta, mas o chamado de James me alertou quando o toque quente do Sol começou a chegar em meu corpo.
--- Temos que ir agora.
Mesmo me virando e correndo para longe eu ainda conseguia ver aqueles belíssimos olhos nas sombras, mesmo virei minha atenção para o azul querendo mais.
Mas já tinha desaparecido
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Coração de Cristal
Ficción GeneralNo mundo dividido pelas raças dois impérios foram criados. Humanos e Vanir. os dois impérios divididos em cortes para harmonia e criação dos cidadãos, divididos por um acordo e protegidos por um único objeto escondido de todos os seres vivos. Dif...