O Curandeiro

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Joseph Ice chegou ao acampamento dos Gilding por volta das vinte e duas horas e só o que tinha em mente era deitar e dormir. Passara as últimas doze horas cavalgando no lombo de um velho pangaré ossudo e suas pernas estavam rígidas e doloridas, e não tivera tempo de parar e preparar um ritual de cura. O chamado fora de última hora e os paladinos, famosos por sua impaciência, costumavam ser mais frios que o vento que descia da montanha.

Uma coruja piou do alto de um carvalho quando ele arriou do cavalo e olhou ao redor. As barracas dos outros capitães estavam dispostas por ordem de importância e parecia que o último espaço fora reservado para ele e os seus. Isso não o surpreendeu. Os paladinos eram orgulhosos e não gostavam de demostrar fraqueza, e ter uma Irmandade de druidas em seu exército poderia significar que não confiavam plenamente em suas próprias habilidades.

Desde que fora convidado a se unir a casa Gilding em face às pretensões ambiciosas de seus primos, os Golds, se pôs a pensar se deveria se envolver em um conflito disputado por outra classe. Criara a Irmandade Branca com o objetivo de ajudar as pessoas que não dispunham de condições para contratar médicos ou curandeiros, e não se envolver em disputas por poder em famílias rivais. Mas os Golds representavam uma ameaça maior que qualquer doença ou dificuldade que poderiam enfrentar, pois buscavam a dominação de todos os magos e o controle unificado dos Círculos sob a chancela dourada dos paladinos.

Olhou de relance para seus companheiros. Todos também estavam cansados e só com muito custo conseguiram erguer sua barraca e pavilhão. A Irmandade Branca pensou. Já fomos trinta e três e hoje não passamos de doze. Não era uma vida fácil seguir de acampamento em acampamento, sem garantia de recompensa e, muitas vezes, sendo tratados com desprezo por aqueles que deveriam estar agradecidos. Joseph conhecia muito bem cada um deles. Seu primo Dhanil Mist, de riso fácil e obstinado com uma pedra, que o acompanhava desde o princípio. Eliphas Leaf, um bastardo, nascido Ranger, mas Druida por opção. Suas canções tornavam suportáveis as mazelas do serviço e alegravam os corações cansados ao final das empreitadas. Melícia White, a única mulher dentro da Irmandade. Irritadiça e fumante inveterada, mas dedicada e leal até o fim. E outros que se alistaram há menos tempo: o garoto Jason Frost e seu irmão Edgar. Paul Winter, alegre, mas dominado pela ousadia da juventude. E mais quatro membros de famílias menores: Andrew Moisture, o lento, Ronald Blank, Ronald pequeno Crystal, George Glass, o trincado, e o último, mas não menos importante da lista; seu intendente Marcus Winter, tio de Paul. Marcus era seu braço-direito de longa data, amigo fiel e confidente. Os dois sempre estiveram juntos desde que Joseph o salvou de um encontro com ursos pardos no Canadá, muito antes de fazer os planos para criar a Irmandade.  Desde então, compartilharam uma vida de aventurase Marcus sempre fez o possível para tornar seus dias melhores, mas agora o intendente se aproximava com certo desgosto no olhar e ele sabia que as notícias não seriam boas.

– Os capitães estão reunidos naquela tenda grande dos Gildings e aguardam sua presença com certa... urgência – disse Marcus de mau humor. Seus cabelos negros e cumpridos esvoaçavam ao vento e o intendente lutava para prende-los num rabo de cavalo. Seu rosto oval e seu corpo bronzeado destoavam da maioria dos druidas, que geralmente eram afilados e loiros, e seus belos olhos negros e profundos lhe conferiam uma aparência tranquilizadora. Estava bem vestido como era próprio de sua posição, com calções e colete de lã branca e um manto cinza azulado preso ao pescoço por um broche de cristal em forma de um floco de neve. – Aposto que vamos ter encrenca pela manhã. – completou indicando o caminho.

Joseph também apostava, mas não queria minar o ânimo de seus companheiros logo no início. Os druidas podiam lutar apesar de serem especialistas em magia de cura, mas evitavam sempre que podiam usar suas canções de ataque por uma questão de ética. A mão que cura não deve ferir era o lema dos nascidos sobre o privilégio da água, no entanto, já houvera casos em que os druidas e a Irmandade Branca tiveram que lançar mão de seus poderes para garantir que seus ideais prevalecessem.

Conto - O CurandeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora