Capítulo 8

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   Solto, guardou a lâmina, por uma incisão firme, no atravessar do pescoço fino que era dela. Procurou e encontrou na cozinha a garrafa de gin, que era dele, para um trago ou três ou sete. Por sorte, nela ainda quase metade. A dor, claro, a dor... ao menos seria dor com álcool. Precisava de uma internação urgente, para cuidados médico-hospitalares. Além do corpo de uma mulher estendido morto na sala. A casa também era dela. Suas digitais no cabo da faca fincada no pescoço fino, e Juan no calibrar do etílico, aquilo poderia acarretar zanga: não importava: naquele apartamento, na banqueta da cozinha, naquele trago impagável, imperdível e, sempre único, mais que o seguinte, pois em agora concedido: estava sendo grato, grato pela vida.

   Era grato por ter perdido uma, não duas orelhas, e, das duas, a esquerda, à la Van Gogh, um infortúnio artístico, talvez, quiçá. Ele, além disso, grato por sobreviver às preliminares felinas da desequilibrada, ali enquanto esta "brincava com a comida". Mil vezes grato pela joelhada involuntária - reação do corpo à dor, ao ser pichado pelo corte de "JU", nos peitos – lançar a desorientada abaixo, e a faca saltar de suas mãos, por Providência, para perto da boca amordaçada à corda, esta mesma corda que Juliana desapertou, ao pisotear a boca, até então incapacitada, permitindo-a maxilar o cabo e guinar a lâmina para talhar as amarras - no quando ela procurava pela pedra de afiar para usar de martelo -, que prendiam-lhe os braços, ao por um triz, que a força da dor se encarregou de arrebentar o faltante. Por fim, Juan era grato pelo desafio de sobrevivência não ser futebol: dele o 1 valera mais que dela o 7.

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