4 - Juventude maculada

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— Não entendo por que este pagamento está pendente — Alana reclamou

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— Não entendo por que este pagamento está pendente — Alana reclamou. Ela se esforçava para manter a voz firme, para não cerrar o punho e esmurrar o balcão da recepção do hospital. — Eu deixo tudo certo todo mês. Nunca tive problema.

A mulher de jaleco mal ergueu os olhos do computador.

— Só estou te informando o que o sistema está me informando. — Ela apontou para a tela, onde o número em vermelho se destacava como um borrão sangrento de um pesadelo. — E o sistema está dizendo que você deve oitocentos reais ainda.

Alana bateu os dentes com tanta força que achou que o som ecoaria por toda a clínica. Era difícil alguém acabar com seu bom humor, e aquela mulher estava conseguindo.

Havia passado a manhã na universidade e, após o almoço, correra até o ponto de ônibus para não chegar atrasada ao estágio. Durante o trajeto, aproveitou para colocar a leitura de algumas matérias em dia. Quando seu horário encerrou, conseguiu carona com um colega para ir até ali, o que lhe poupou tempo. Ainda precisava dar um jeito de comer alguma coisa antes de ir para o trabalho do período noturno.

E estudar para a prova que terei daqui dois dias.

Controlou a vontade de estremecer e inspirou fundo.

Seu maior desejo era descansar, mas como a mensagem que recebera pela manhã não lhe permitiria relaxar nem um pouco, ela decidira ir até a clínica e ver qual era o problema com o pagamento.

— Por favor, veja aí no seu sistema — "na merda do seu sistema", era o que queria dizer — qual é o problema.

Esboçando pouca vontade, a recepcionista digitou lentamente, o dedo batendo quase em câmera lenta sobre o mouse. Alana precisou se controlar para não agarrá-la pelos cabelos e jogar a cara dela contra o monitor.

— Hum... Aqui... — A mulher arqueou as sobrancelhas, bocejando. — A mensalidade da clínica foi reajustada esse mês. E sua irmã precisou fazer algumas terapias mais intensivas, que o pacote que você contratou não cobrem.

— Não fui avisada sobre isso.

Mesmo que ela tivesse sido, não teria negado nenhum tratamento para a irmã mais velha. Daria qualquer coisa para que Sandra voltasse a ser como um dia fora.

— Se você não tiver como pagar, interromperemos os procedimentos. Se o débito não for acertado até o fim do mês, também não poderemos ficar com a sua irmã aqui. Mas, se você quiser, podemos encaminhá-la para uma clínica do governo.

Alana engoliu em seco. Os tratamentos em clínicas públicas eram precários, e ela não queria arriscar a recuperação da irmã.

— Não, não será necessário. Darei um jeito de quitar esse valor.

A mulher enfim ergueu os olhos da tela e fitou Alana.

— Quantos anos você tem?

— Vinte e três.

— Sua irmã é mais velha e maior de idade. Mesmo assim, onde estão seus pais ou responsáveis? Eles não podem ajudá-la com o valor?

— Não — Alana sussurrou. — Infelizmente, eles têm uma condição financeira muito baixa também. Mas vou pagar tudo o que está faltando. Por favor, apenas não interrompam o tratamento dela.

A mulher anuiu, fazendo alguma anotação no arquivo.

— Gostaria de ver sua irmã?

— Não. Hoje não. Não posso me atrasar para o trabalho.

Mesmo sem vontade, Alana agradeceu pelo atendimento, apanhou a bolsa e rumou para a saída.

O vento do fim da tarde soprou sobre seu rosto, feito um bálsamo reconfortante.

A Clínica Vida Nova era uma das melhores da região de Belo Horizonte para o tratamento de dependentes químicos. Se alguém poderia ajudar sua irmã, era a equipe daquele lugar.

Daquele lugar caro.

Alana se sentou sobre os degraus da escadaria de mármore da entrada, inspirando e expirando fundo.

Só quando sentiu um gosto salgado na boca foi que se deu conta das próprias lágrimas.

Odiava sucumbir, odiava se sentir fraca; mesmo assim, Alana abraçou as pernas e enterrou o rosto nos joelhos, controlando a respiração, pensando na infância ao lado de Sandra e dos pais, até que a última lágrima houvesse se evaporado.

— Vamos lá, garota — disse para si mesma, jogando os cabelos para trás da orelha. — É só mais obstáculo para vencer. E você consegue.

Espanando a poeira imaginária das roupas, Alana se levantou com um pulo, ajeitou a bolsa e rumou para o ponto de ônibus mais próximo.

Não poderia se atrasar para o trabalho. Precisava do dinheiro, agora mais do que nunca. Talvez conseguisse muitas gorjetas naquela noite.

Você vai melhorar, Sandra. É uma promessa. E então, voltaremos a ser como antes. Eu, você, mamãe e papai. É uma promessa.

Repetindo o mantra, ela subiu no ônibus recarregada.

Você vai melhorar, Sandra. É uma promessa.


**************


Ela usava uma calça de ginástica preta que comprimia e acentuava suas nádegas arredondadas. Piranha. Nos pés, usava botas lustrosas e altas, que batiam com força no chão enquanto ela atravessava a Praça Floriano Peixoto correndo, as dezenas de pombas sendo espantadas e levantando voo conforme passava.

Piranha.

Era jovem, não uma jovem-adulta qualquer; era aquela juventude que exalava pecado.

Piranha.

Era aquela juventude maculada.

Piranha.

De dentro do seu carro de vidros escuros, observou a garota; apenas ela existia entre as pessoas que praticavam atividades físicas ou liam um livro nos bancos acomodados embaixo das árvores.

Apanhou a maçã vermelha e deu uma mordida.

Apenas uma mordida.

Pois alguns frutos deveriam ser proibidos de existir.

            Pois alguns frutos deveriam ser proibidos de existir

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Pecado Sagrado | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora