ONE

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Isabella Duarte

O barulho ensurdecedor do despertador me acorda. Assim que abro os olhos eu já sei, é hoje, tudo na minha vida começa a mudar e ganhar sentindo hoje. Rapidamente me levanto e caminho em direção ao banheiro para fazer minhas higienes, e enquanto caminho posso sentir meu estomago se embrulhando como papel, o nervosismo e ansiedade são inegáveis por aqui.

Moro em uma kitnet - extremamente pequena - que me permite ter uma visão geral do meu humilde lar, que conta com uma sala/quarto/sala de jantar, um pequeno corredor para a cozinha e um espaço ainda menor para o banheiro. Por isso, enquanto tomo meu café da manhã consigo visualizar minhas duas malas paradas ao lado da cama. Minha torrada desce seca na garganta e sinto um leve frio na barriga. Eu definitivamente estou feliz e realizada com a oportunidade que me foi dada, mas o medo ainda está aqui, ele faz questão de me dar um ''Oi'' todos os dias.

Minha vizinha de porta é a dona desse kitnet, por isso, como eu não poderia levar meus móveis comigo, negociei para que ela pudesse aluga-lo mobiliado quando eu desocupasse, o que foi bastante interessante para eu poder levar um dinheiro a mais nessa viagem... nessa mudança. Assim que termino de arrumar minhas coisas, pego minhas malas e antes de fechar a porta sinto uma leve pontada no coração, indicando ansiedade, medo, felicidade e saudade prévia da vida que eu tinha nesse lugar. Não, não tinha a vida mais confortável do mundo, mas de alguma forma isso era o conhecido para mim. Deixo a chave de baixo do tapete conforme combinado com Angelica - proprietária da kitnet -.

Quando meu Uber chega coloco minhas bagagens no porta-malas e então seguimos para o aeroporto. Encosto minha cabeça na janela do carro, afim de me acalmar e espantar a exaustão que insistia em aparecer. Os olhos pesam, talvez por sono ou as lágrimas se acumulando, e minhas mãos suam mais do que eu desejaria. Sei que vocês devem estar se perguntando o que está acontecendo, vou explicar.

Meu nome é Isabella, Isabella Duarte, tenho 22 anos e moro no Rio de Janeiro desde pequena. Venho de uma família pequena, éramos só eu e meus pais, e até então uma relação normal familiar. Desde os 3 anos de idade eles decidiram me colocar no ballet, para me desenvolver melhor e também ter um hobbie saudável. O que eles não contavam é que eu me apaixonaria pela dança, e jamais seria apenas um hobbie para mim. Quando eu tinha 15 anos eles viram que eu não seria nenhuma médica ou advogada bem sucedida e se questionavam o que tinham feito comigo, a resposta era óbvia: a dança foi a melhor coisa que me aconteceu. No entanto, eles não viam dessa maneira, e foi aí que decidiram me tirar do ballet e me proibir ter contato com qualquer coisa que envolvesse a arte. Eu obviamente não aceitei isso, e quando essa situação ficou mais insustentável do que já era, decidi sair de casa, aos 16 anos, e ir morar com minha avó Amélia. Foi aí que tudo mudou, eu tinha uma vida confortável e segura, não havia a necessidade de trabalhar, eu era o orgulho dos meus pais. Do dia para a noite eu estava na porta da minha avó, a única que realmente me entendia, pedindo abrigo. Dona Amélia não era uma senhora tão bem de vida assim, pelo menos era o que eu pensava. Trabalhei desde os 16 para ajudar com as contas de casa, enquanto minha avó fazia uma poupança para mim sem que eu soubesse. Meus pais, por serem orgulhosos e extremamente rígidos,  não voltaram atrás e nem eu, não podia abandonar a dança... era, sempre foi, e sempre será a razão da minha vida.

Com 18 anos ingressei na faculdade de dança, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eu estava dando o primeiro passo para o maior sonho da minha vida e não poderia estar mais feliz... até que minha avó descobriu um câncer de mama. Ela lutou bravamente por um pouco mais de 3 anos. Me despedir dela foi provavelmente a coisa mais difícil que já fiz na vida. Segurei a sua mão em cada quimioterapia, lembro que em uma delas ela me entregou o colar que estava usando, me dizendo que era uma forma de ela estar sempre comigo. Aquela foi a última quimioterapia que ela fez, cerca de 15 dias depois ela partiu... ela se despediu e eu nem fazia ideia.

Foi aí que eu tive que usar uma pequena reserva que eu havia feito com o dinheiro que ganhei durante esses anos, me mudei então para um kitnet simples, não conseguiria viver naquela casa sem ela. Mas minha avó muito esperta deixou um testamento com o advogado da família, e no dia para lermos esse testamento eu precisei encontrar meus pais, que sorriam de forma sem-jeito de longe, eu já não era mais aquela garotinha de 15 anos. O advogado foi lendo o testamento, nos informando as vontade de minha avó antes de morrer. Ela deixou a casa para vender e o dinheiro ser dividido entre minha mãe (sua única filha), eu (sua única neta), e o restante para um lar de idosos que sua melhor amiga morava. Logo depois o advogado informou sobre a poupança que minha avó havia feito durante todos esses anos para mim e eu não fazia ideia. Com o dinheiro da poupança e da casa, eu fiquei com cerca de 100 mil reais, mas eu não me importava com a grana.

Já no final da minha faculdade, e a sensação insuportável de saudade constante da minha avó, eu vi que nada mais me prendia aqui, eu precisava ir atrás do meu sonho, por mim e pela minha avó que sempre me apoiou em cada segundo. Foi então que, logo após minha formação, eu vi na internet um anúncio de bolsas em uma das melhores academias de dança de Miami, a Miami City Ballet. Sempre ouvi falar muito bem sobre e então fui me informar mais sobre a escola e o programa de bolsa. Estavam abrindo vagas para bolsistas de qualquer parte da América-latina, recém formadas, para atuar na academia e também estagiar na área. Me candidatei, fiz todas as entrevistas, mostreis toda documentação necessária, depois de um processo de seleção de 4 meses... eu fui aceita. Eram apenas 5 bolsas, e eu era uma das cinco.

Com o dinheiro da herança da minha avó, a grande vontade de sumir e meu sonho nas costas, decidi embarcar nessa e começar a viver de verdade meu sonho. Meus pais souberam cerca de 1 mês antes da minha mudança, esbravejaram o quão decepcionados estavam e dizendo que aquilo não me levaria a nada. Eu simplesmente ignorei.

E agora, aqui estou eu, na fila do check-in e com esse frio na barriga que insiste em ficar. Obviamente eu estou feliz e realizada, lembro o tempo todo da minha avó dizendo: ''não importa o que digam, se te faz feliz então isso é o certo.'', mas o medo do desconhecido também era presente, era inevitável. De qualquer maneira, eu engoli em seco quando chamaram meu voo, segurei firme na minha mala de mão, e apenas mostrei meu passaporte e passagem para poder entrar no avião. Assim que tomei meu acento na janela, coloquei meus fones de ouvido e tentei ao máximo relaxar, esperando o avião decolar. Quando decolou, pude ver minha cidade pequeninha lá embaixo, e então eu sorri segurando meu colar.

- É, vovó, aqui vamos nós. Cuida de mim, por favor. - foi a última coisa que eu disse antes de sentir meu corpo inteiro relaxar e me entregar aquela viagem. É apenas o começo.


xoxo, Ju.

SUDDENLY YOU - Christopher VelezWhere stories live. Discover now