Tell me, tell me, please don't tell

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, e como um estranho sonho, ele acordou em si e percebeu que estava sozinho. Só, como a alguns anos atrás, antes de toda a história se desenrolar em um emaranhado de linhas, cobertas de desencontros. Se viu não apenas só, mas também vazio. Era como se seu corpo fosse um copo de vidro, na beira da mesa, pronto para cair em qualquer eventual movimento: Ou no piso, ou na porta, ou na janela.

Porém, apesar de sozinho, ainda era vivo. Estava sentado, com os pés grudados no chão e a cabeça em algum lugar, sem saber onde. Fitava um ponto fixo à sua frente, que embaçava com sua falta de foco. O som antes estava totalmente difuso e perdido em algumas palavras que repetiam incessantemente em sua cabeça.

"Não se esforce tanto."

"Talvez esse era para ser realmente o fim."

E procurando na escuridão das palavras sem foco, como sua visão, não encontrou senão um rosto familiar que causava uma formigação. Subia dos pés a cabeça, esfriava o coração e o estômago e agarrava na garganta.

"Saia, por favor."

Ninguém mais podia mexer tanto com ele como este rosto familiar. E, sentado naquele banco, ele acordou em si. Acordar era uma palavra que definia o momento da melhor maneira, mesmo que ele de fato não estivesse realmente dormindo. Estava sentado, e percebeu o local, quando o frio da madeira do banco preencheu sua mão. Sua visão à frente mostrava o porto, sujo e com aquele mesmo cheiro comum de peixe e maresia. Ele escutou os grilos, o mar... O último, com toda a vontade em envolver a terra. Toda a sua vontade, mas não força, em querer engoli-la. A falta de barulho de pessoas, passos e barcos era devido ao horário; era noite, mas nosso frágil protagonista não sabia exatamente a hora.

Não importava saber se eram duas ou três da madrugada. Ou se faltava alguns minutos para o sol despontar no fundo do mar. Aparecer e aquecer aquele banco frio e até ele mesmo. Afinal, a falta de importância era que, por qualquer hora que fosse, ainda seria ele ali, sentado no banco, no porto. Esperando um barco, talvez? Ou que alguém o virasse e o empurrasse dali?

"Saia de mim."

Nosso protagonista não sabia muito bem, e com a falta de imparcialidade do narrador, eu posso te dizer que ele não saberia por muito tempo. Afinal, algumas coisas acabam sendo inomináveis, ou traduzidas de formas ingênuas. Não caberia a ninguém tentar dar nomes a coisas que só merecem ser sentidas. E está tudo bem quanto a isso.

O rosto familiar.

Ele lembra do dia, o cheiro, o que se passava na sua cabeça quando viu aquele rosto pela primeira vez. Era 27 de outubro, andava por algumas feiras de verduras, e observava cada limão antes de colocar em sua sexta. "Fazer uma limonada, colocar uma vodka talvez, esquecer que falhei mais uma vez e terei que dar alguns passos para trás", ele pensou. Mas logo esqueceu: após pagar os limões comprados, virou tão bruscamente que esbarrou em alguém, derrubando bolsa e com tudo que estava dentro direto ao chão. Parece o início de um romance de telenovela, e você pode achar que agora, nosso protagonista olha para o rosto familiar e se apaixona perdidamente. Mas não é isso que acontece.

Se abaixando e recolhendo seus limões, ele fala um simples "me desculpe", sem coragem para encarar o olhar da vítima à sua frente.

"Tudo bem."

A voz rouca e ao mesmo tempo, amigável, o fez olhar rapidamente de relance, mas retornar o foco dos limões. Não era muito fácil fazer amizades nas quartas de feiras, e não seria no meio de um completo desastre que isso mudaria. Mas ele decorou alguns detalhes, naquele rápido olhar.

O cabelo castanho, o olhar negro e amendoado, um sorriso tímido e simples, tanto quanto a voz. Mas nada mais. Nenhum amor à primeira vista, nada de romances inventados na cabeça, apenas uma vergonha extrema de ser sempre uma pessoa desastrada em qualquer ocasião da vida, mesmo nas mais improváveis. Foi isso que ele continuou pensando, ao se afastar a passos rápidos até sair do aglomerado de barracas de feiras.

E foi assim que ele conheceu aquele rosto familiar que, não por motivos de desastre, mas que retornou tantas e outras vezes a enxergar, e não resistir em desviar o olhar, em tentar fugir de vê-lo. Em tentar. Não conseguir na maioria das vezes.

"Droga, eu tenho que parar de conhecer as pessoas quando eu destruo coisas."

SILÊNCIO - jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora