A sentença da Cruz

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 A porta estava na frente de Jimin, imensa e aterrorizadora. Ela era com uma madeira escura, grande ao ponto de ser exagerada, com uns ornamentos incrustados na própria madeira, e não trazia boas lembranças. O fazia lembrar de quando saiu por ela, com as malas prontas e um sorriso interno, confiante de que nunca iria voltar. E lá estava ele novamente, com a mesma mala e uma amargura tão grande que parecia borbulhar.

Foi atrás dessa porta que ele nasceu, respirou o ar da terra pela primeira vez. Deu os primeiros passos, falou as primeiras palavras, quebrou o primeiro prato. Gritou pela primeira vez, chorou enrolado nos lençóis, teve sua primeira crise. Onde também foi expulso, voltou, se auto expulsou e novamente voltou, com um rabo entre as pernas e pouca história boa pra contar. Ele sabia que ao abrir a porta, a primeira coisa que veria seria uma grande cruz colocada na parede do hall de entrada, com a madeira mais escura que a porta e uma sentença bem mais arrepiante.

Não era uma casa acolhedora, mas tinha bastante madeira solta no chão onde ele podia guardar os seus discos de rock e seus baseados de maconha que usava na adolescência. Onde ele podia guardar também os versos das músicas que escrevia, que eram sempre para o sexo oposto caso alguém encontrasse e fosse perguntar alguma coisa.

Ele escuta o barulho da chave, e engole em seco. Chegou a vez de encarar a realidade. Para sua sorte, a pessoa que ele mais gostava em todo o planeta aparece, com um sorriso que era capaz de iluminar um quarteirão inteiro.

- Maninho! Você realmente voltou! - Eles se abraçam, e o cheiro de medicamentos invade o nariz de Jimin - Confesso que não acreditei muito quando disse que viria. Achei que ia passar a perna em mim de novo!

- Como eu deixaria de vir para o meu lugar favorito, não é mesmo? - riu, sabendo que o irmão iria entender a ironia - Senti sua falta, Jin.

- Também senti a sua, Chimchim - Jin olha para dentro dos seus olhos, e Jimin recua. Ele sabe o poder que o irmão mais velho tem para descobrir quando nada está bem - Você fede a álcool.

- E você a remédios...

- Por isso já vim preparado - Jin o interrompe, e tira do bolso uma pequena embalagem de bala de hortelã, e entrega na mão do irmão caçula - Bem vindo de volta, Chimchim.

- Agradecido, hyung.

Jimin entra pela porta, agora que não havia mais como correr. Arrasta a mala, e olha para frente. É, a cruz ainda estava ali. Sentiu o calafrio subir do estômago à cabeça, como se a cruz fosse o próprio Cristo criticando toda a sua vida mundana e suja. Olhar aquilo lembrava a ele todos os sermões da igreja, que ele não havia pensado em nenhum segundo enquanto estava em Seul. Toda a obrigatoriedade religiosa imposta para ele desde que nasceu, e agora estava tudo ali, entre aquelas paredes, esperando para o devorar em uma culpa religiosa.

- Filho? - Uma voz feminina e doce surgiu ao seu lado, e uma senhora sorridente abria os braços para ele - Achei que fosse chegar mais cedo. Eu estava à sua espera!

Como uma boa mãe cristã, ela começa a ajudar Jimin a retirar o seu casaco, que estava com alguns flocos de neve que ele não reparou muito. Neve, ele não via isso a algum tempo. O inverno era o típico momento que trazia consigo um ar de solidão que ele não gostava de sentir.

Era com a neve que ele havia saído da casa. Na escura noite, enfiando os pés sobre uma camada grossa de gelo que havia se formado do lado de fora, tentando chegar até o táxi que ele havia pedido. Jimin não era o filho mais querido,mas era o mais esperto, e conseguiu fugir rápido o suficiente das garras da mãe e do padrasto indiferente. O pai dele, ele lembrava, era mais divertido, mas havia morrido muito cedo com um câncer de fígado que o deixou amarelado naquele caixão. Era uma genética que Jimin escapou, mas não o seu irmão mais velho. Ele sentia muito pelo seu hyung.

Jin, por outro lado, tinha muitas esperanças. Quando o irmão saiu do quarto, ele ouviu a porta se fechando bem devagar, e os passos se afastando para a porta. Ele prendeu a respiração para poder escutar melhor, e caso fosse necessário, segurar sua mãe para que o irmão tivesse chance de escapatória. Quando o carro se foi, ele pôde sorrir e ter certeza que, de todos os fardos dos Park's, o Jimin não iria carregar consigo.

Ao sair daquela casa e poder sentir, pela primeira vez, o ar do lado de fora de sua pequena cidade, o cheiro de carros, lanchonetes e perfumes, ele pôde se sentir vivo. Claro, tudo isso era uma tremenda decepção, já que logo chegando no primeiro dia de faculdade, bateu os olhos no menino mais difícil que poderia ter conhecido: Taehyung, e seu cabelo mesclado de verde. Era melhor não tê-lo conhecido.

Agora, voltar ao interior era uma nova decepção. Ouvir de novo todos aqueles sotaques, sentir um frio inimaginável que só o calor dos prédios poderia barrar, e tomar consciência de que tudo, de novo, teria que ser em um mais rigoroso sigilo. Até mesmo sobre sua sexualidade. Na verdade, principalmente sobre ela.

- Chimchim? - Jin chama a sua atenção, que estava voltada a cruz a sua frente - Acho que você precisa tomar um banho quente para voltar à realidade. Mamãe com certeza vai te perturbar por um tempo, mas logo ela volta para o mausoléu do seu quarto com a caixa de antidepressivos - ele ri - Você comeu alguma coisa?

Jimin olha ao redor. Sua mãe saiu de sua visão, possivelmente imersa em suas falas contínuas sobre coisas que ele aprendeu a não escutar.

- Eu... Comi. No aeroporto. Preciso só de... - olha para o irmão, tendo um vislumbre do que ele precisava saber - As coisas...

- Tudo certo e protegido. Seus discos, pôsteres, camisetas antigas. Eu escondi da mamãe, disse que se ela jogasse fora eu ficaria extremamente chateado e acabaria morrendo - gargalha Jin, com uma piada que só ele riria - Vamos, eu te ajudo a levar as coisas.

Ele queria gritar e deixar tudo ali. Correr, se enfiar na neve e sumir. Era tarde demais pra isso? 

SILÊNCIO - jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora