Capítulo 1 - Novo mundo

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EVA

Jogo a água suja no vaso sanitário, dou descarga e encho o balde em uma das três pias com torneiras douradas.

Me olho no espelho e vejo uma garota... não, uma mulher de 24 anos, descabelada por causa do coque quase desfeito, sem um grama de maquiagem, bochechas muito vermelhas, suada por causa da exaustão, usando um uniforme cinza ridículo, largo demais, quente como o inferno e com cheiro de produto químico.

Diploma para que, Eva?!

Estou trabalhando como auxiliar de serviços gerais na Oil Serviços & Ferramentas Offshore (ou OSFO, pode rir) faz um mês e alguns dias, mas só precisei do tal briefing (tour obrigatório com o técnico de segurança) durante minha primeira hora de carteira assinada para entender que tudo no quinto andar é melhor, menos as pessoas.

Ok, algumas pessoas, não todas. E essas algumas pessoas são horripilantes. Nunca lidei com tanto narcisismo, desde que meu padrasto morreu meses atrás. Que o diabo o tenha. Amém.

O cara era narcisista patológico e enlouqueceu mamãe. Não que ela fosse muito normal antes de conhecer Jorge.

Não faço ideia de quem seja meu pai e desisti de perguntar, porque a resposta era sempre a mesma:
- "você é fruto de uma única noite de amor no maior carnaval de todos os tempos".
Dizia minha querida Lalanda quando era lúcida, feliz e tinha aquele brilho contagiante no olhar.
Era linda. Uma miragem. Tão diferente do que se tornou com apenas 56 anos.

Estou trabalhando aqui por causa dela. Tudo o que está acontecendo na minha vida nos últimos meses e o que vai se iniciar hoje é por causa dela. São sacrifícios que jamais imaginei fazer.

Não sei se consigo fazer. Merda.

Ainda tenho uma parede inteira para lavar.

Quem no mundo fez todos os banheiros do prédio em azulejo branco?! Corno!

Vejo a hora no celular escondido em um porta-dólar que uso na cintura. Não posso confiar nos armários na salinha da equipe de limpeza. A própria supervisora, Ângela, contou no meu primeiro dia sobre alguns roubos.

Ela estava tentando autorização para trocar os armários velhos por outros que tenham encaixe de cadeado, ou aqueles melhores com senha, além de instalar uma câmera naquela sala, mas o diretor-babaca-sem noção-podre-de-rico responsável pelas compras nunca respondeu o pedido de compras. Aqui tudo é feito através de um sistema de pedido de compras.

É o último banheiro do dia. Deixei para o final porque está sempre relativamente limpo e ninguém usa no final do expediente. O CEO super bacana, o diretor usam o banheiro no setor deles, no extremo do corredor. As duas secretárias e a assessora administrativa usam o banheiro feminino que eu limpei faz vinte minutos.

Algo que me incomodou aqui na empresa é que faxineiras também lavam banheiros masculinos. Acho errado. Porém, quando vamos fazer a limpeza, colocamos uma placa avisando que ninguém pode entrar.

Funcionou até hoje graças a Deus e em breve não ficarei mais só com banheiros. Sou novata e eles têm umas regras aqui. Dois meses e fim com os banheiros.

Tenho mais vinte e sete minutos para terminar o expediente. É sexta-feira. E em poucas horas iniciarei outra jornada de trabalho um pouco diferente.

Corro para terminar a última parede, de costas para a porta. Ouço barulhos vindo do corredor, reconheço a voz; é o famoso Claudinho, gerente de contratos.

Pense em um sujeito, asqueroso, assediador, fedido a perfume barato e sorriso sujo. É o Cláudio Ramos.

Melhor amigo do tal diretor babaca. Eu disse o nome dele? Não ria.

Henry Agostini.

Eu disse para não rir.

E falando em babaca... está de sacanagem!

A porta é aberta com um estrondo. Levo um susto e olho para trás rapidamente. Duas figuras altas, de terno e toda a opulência entram e param assustados quando me veem.

Viro para a parede, estou ajoelhada como uma idiota. Meu rosto esquenta.

- Olha só quem está por aqui, Henry? A nova faxineira... qual o seu nome, querida?

A risada do cara é um eco aqui dentro, mas logo acompanhada pela risada forçada do babaca.

Ignoro a pergunta é respondo com outra.

- Coloquei a placa na porta, os senhores viram? Termino em cinco minutos no máximo. Vão aguardar ou devo sair?

- Tão recatada. Não consigo lembrar teu nome. Maria? Patrícia? Estou perto?

Nem de longe, otário.

- Vamos, Claudinho. Usa o banheiro da diretoria. Deixa a faxineira terminar.

A voz de desdém de Henry é notável, mas respiro aliviada.

Até que escuto o barulho de um zíper abrindo e fico estarrecida! Estou de joelhos e de costas para a parede. Que merda ele está fazendo?

- Cláudio! Porra cara! Tá maluco?

- Hahahaha duvido que a Santa aí ainda não tenha visto uma coisa linda como meu pau.

Juro. Ele disse "meu pau". Eca.

- Garota, não olha para trás por favor e me desculpe por isso. Já vamos sair.

Estou enojada, com raiva e indefesa. Minhas únicas armas aqui são uma vassoura, e esfregão. Talvez a água sanitária nos olhos deles...

- Então, cara. Às vinte e uma horas você recebe o teu presente. Uma da manhã começa a sua mesa festa de aniversário. Excitado pra hoje?!

- Olha lá no que você vai me meter! Não quero mais problemas vindos de você.

O tal gerente de contrato é tão puxa-saco que irrita. Então Henry Ayres está fazendo aniversário. Deve ser uns 28 anos, imagino.

E o xixi nunca termina. Será um caso médico?

Percebo uma sombra atrás de mim e o aniversariante está protegendo o amigo enquanto ele usa o mictório. Babaca.

Escuto o zíper fechar e Henry diz:

- Pelo menos lava a mão, cara.

Escuto o sorriso na voz dele.

De qualquer forma esse Cláudio está na minha lista negra.

Acabei de criar uma lista negra e já tenho dois nomes.

- Se vocês terminaram, saiam por favor.

Digo com uma voz firme e irritada.

Outro riso de escárnio do gerente, mas eles saem em silêncio.

Após alguns minutos estou quase terminando e escuto uma voz vindo da porta:

- Peço desculpas pelo meu amigo.

É o babaca sendo ainda mais babaca. Aqui dentro ele é a droga do DIRETOR! E o amigo dele Gerente de Contratos. É algo grave. Ele deveria advertir o sujeito fedido.

Não olho pra ele, sequer respondo e após alguns segundos a porta fecha.

Termino a limpeza, desço pelas escadas de incêndio e mudo de roupa rapidamente. Corro até meu carro e saio daquela empresa.

Tenho muito a fazer até às vinte e uma horas de hoje.

Admito, estou morrendo de medo.

O que você está fazendo, Eva...?

EVAOnde histórias criam vida. Descubra agora